quinta-feira, 30 de março de 2006

Na paisagem dum forte em território apache, o cabelo de Eleanor Parker brilha de lantejoulas e o seu vestido azul é uma corola esfuziante que deixa zonzo o pobre capitão de cavalaria (William Holden).

A história da parafernália é, em primeiro lugar, uma história de auto-sedução.


Matosinhos (José Ames)

quarta-feira, 29 de março de 2006

A GEOGRAFIA DO VERÃO



Esta manhã caía uma morrinha na marginal que, com o concurso do vento, não molhava só os tolos.

O meu guarda-chuva de bolso não servia de nada e nem sequer o abri.

Com este tempo, sem céu, sem horizonte, tornamo-nos facilmente neuróticos.

Já não medimos a terra com o olhar e a passada orgulhosa. É ela que nos mede, pois temos que segurar as distâncias, e em todas as direcções supor altura ou profundidade.

Mesmo o eclipse que não vemos depende de nós.

Ah! se encarássemos com a mesma fé a geografia do verão!


Bad root (José Ames)

terça-feira, 28 de março de 2006

AS AUSÊNCIAS DE PROTEU



Diante dum espectáculo como o mar, de alguma maneira não estamos ali.

A nossa atenção não sabe sobre o que fixar-se. Proteu aparece e logo se esconde.

Seria preciso, talvez, fazer o inventário do que sentimos. Todos os pontos de luz na água, o desenho da espuma, a curva da onda que se desfaz, depois a areia e o céu que, hoje, em vez de ser dum monótono azul, parece uma cortina de teatro que a todo o momento se vai abrir, com as gambiarras já focadas no proscénio.

Talvez, assim, percorrendo todas as percepções, nos enchêssemos com esse espectáculo, sem distracção alguma.

Mas o melhor seria ainda imitar o que vemos, reproduzindo cada nuance das cores e desenhando as linhas, fechando ou modelando as formas.

Se pintasse o mar (mas sem demasiada técnica, nem cedendo a automatismo algum), com a demora e a hesitação da inexperiência, seria acaso possível atingir a transparência?

domingo, 26 de março de 2006

A FÍSICA DO HEROÍSMO


"Paths of glory" (1957-Stanley Kubrick)


Kubrick, em "Horizontes de Glória" (1957) não encontrou ainda o seu caminho.

Este vigoroso requisitório contra o espírito do estado-maior, que quando ironiza sobre os generais que comandam de secretárias é quando é mais injusto e irrealista, não tem nada a ver com o estilo de "Full Metal Jacket", por exemplo.

Estamos aqui, ainda perante a necessidade de encenar a ideologia e de demonstrar os seus efeitos catastróficos.

O autor, mais tarde, não precisará desses meios teatrais.

O movimento das imagens basta para nos comunicar o sentimento do absurdo.

O sentido dessa mudança vai do abstracto da ideia anti-belicista, mesmo se modulada por um contexto dramático, até à síntese o mais subjectiva possível e, por isso, original.


Coimbra (José Ames)

MÁSCARAS E HERDEIROS


"Casanova" (2005-Lasse Hallström)


Um scherzo sobre o mito de Casanova, com algumas vistas maravilhosas de Veneza.

Nada do que o homem foi, nem do que o amor ou a libertinagem são.

Mas tendo em conta que haveria um genuíno cavaleiro de Seingalt que desaparece no mundo do teatro com a heroína desta história e que as aventuras narradas nas "Memórias" seriam do pseudo Casanova que foi quem se tornou lenda, nada podemos dizer contra esta ficção.

É o "crime" perfeito.

Consegue-se fazer um filme sobre Casanova sem recorrer sequer uma vez às suas memórias.

sábado, 25 de março de 2006


(José Ames)

O ESTADO DO PRÍNCIPE ANDRÉ




A mudança em André consternou os que o amavam.
Já não podia sentir. Não compreendia os outros.
É verdade que imitamos para reconhecer.
Mas o príncipe André estava morto.
Apenas a luz fria da consciência
lhe permitia dizer ainda frases insignificantes
dum modo terrível para quem ouvia.
Às vezes morremos assim, por momentos.
De fadiga ou doença.
Parecemos estranhos.
Podem fazer-se reputações para o resto da vida,
construídas em tais lapsos do sentimento.
A caridade tem frio. Recolhe a casa.
Justifica-se com uma ficção de orgulho.
Por isso a moralidade, aparentemente absurda,
de dar a outra face e de responder
com o bem ao mal que nos fazem,
tem todo o sentido.
Mas quem está acima dessas provas?
É a questão.

sexta-feira, 24 de março de 2006


Nas imediações do Aleixo (José Ames)

quinta-feira, 23 de março de 2006


(José Ames)

quarta-feira, 22 de março de 2006

WIRELESS REBELS



O grupo de jovens delinquentes de S. João da Madeira, que comentavam na Internet as imagens que eles próprios tiraram das suas façanhas, inaugura no nosso país o delito por emulação virtual.

Num tempo em que as empresas e os sindicatos fazem já reuniões "em efígie", poupando a deslocação física das pessoas, não surpreende que os ajuntamentos que sempre preocupam a polícia ocorram entre imagens.

Neste caso, o delito tem a autenticidade e o papel legitimador das relíquias.

É o pequeno osso do real que prende à terra a narrativa dos halucinados.

segunda-feira, 20 de março de 2006


(José Ames)

VOANDO SOBRE O ANTIGO EGIPTO


Um F-16 sobre Gisé


Falaram-me na oferta do JN (um belo livro sobre a Civilização Egípcia, que é o início de mais uma enciclopédia), e eu corri a comprar o jornal.

O tema é o mais interessante possível.

Gostaria de ter sete vidas para dedicar uma delas a ler aquelas centenas de páginas, a letra miudinha, e ficar, assim, a saber mais sobre uma época que me apaixona.

O problema é que, se tivesse tempo, chegado ao fim dessa leitura, já teria esquecido o princípio e os nomes todos formariam uma selva inextricável.

Imagino, por mim, o destino desse monumento de papel impresso: o de confortar com a sua sábia presença aqueles poucos que só têm tempo para folhear a colecção e, vá lá, consultá-la, esporadicamente, como quem recorre a um dicionário.

Contudo, se pudéssemos fazer um "download" directo, correríamos o grave risco de nos tornarmos egiptólogos superficiais e desequilibrados. Para compensar, deveríamos "baixar" todos os livros que a memória dum super computador poderia absorver, mas não a nossa.

Este absurdo revela-nos, assim, por que não se poderia conceber um Fausto moderno.

Que grande oportunidade para o "conhece-te a ti próprio!".

quinta-feira, 16 de março de 2006


Subida para o Bairro do Aleixo (José Ames)

A HISTERIA DO PLÁGIO



Dan Brown, o autor do famoso "Código Da Vinci", é acusado de plágio num daqueles processos milionários que alimentam as sociedades de advogados americanas.

Não compreendo como é que uma ideia como a do casamento de Jesus com Maria Madalena pode ser roubada e contaminar de plagiato um livro de centenas de páginas.

Não li a obra de Brown, nem tenho curiosidade em lê-la, mas parece-me absurdo ignorar o que se pode fazer de pessoal com uma ideia tão simples como aquela.

Também se confundiu o crime de Amaro com a falta de Mouret, e não há nada de tão diferente como o estilo de Eça e o de Émile Zola.

quarta-feira, 15 de março de 2006

A VANTAGEM DE SÓ SE TER DUAS OPÇÕES


"Roma" na RTP2

Decididamente, esta série está a revelar-se uma surpresa! Até lhe perdoamos que a batalha de Farsália se tenha reduzido a uns fugazes planos de corpo a corpo, próprios duma produção indigente. César, "outnumbered", venceu porque tinha menos opções do que Pompeu, mas o terreno ajudou.

Admire-se, mais uma vez, como se procura apresentar personagens que não pensam como nós, nem se expressam do mesmo modo. Não sei se é autêntico, mas é eficaz e refrescante.

Por exemplo, a justificação de Júlio César a António para não crucificar Vorenus, da 13ª legião, por ter deixado escapar Pompeu, é uma alegação do favor dos deuses ao legionário que mais de uma vez iludiu a morte, não pretendendo ele desafiar tão poderosa e evidente protecção.

Podemos dizer que isto é superstição.

Mas se pensarmos que esse argumento reduziu Marco António ao silêncio e poupou um guerreiro cheio de valor, evitando, ao mesmo tempo, a César dar conta do verdadeiro dilema, o do honroso motivo da piedade de Vorenus, que César não podia deixar de compreender, tendo entre os seus amigos tantos defensores da República, percebemos a superioridade política duma razão que não se submeteu ainda à lógica dum único princípio.


A estela (José Ames)

terça-feira, 14 de março de 2006

CHATEAU DU FROMAGE


Castelo do Queijo (José Ames)


O Castelo do Queijo à distância, com a sua guarita em forma de culatra, não tem a graça das Torres de Belém que sabemos "fazer bem", como dizia Pessoa.

É plebeu e burguês como a cidade, e a pedra que lhe deu o tão comezinho nome não se vê nem se cheira porque lhe serve de cama.

Como um velho servo que tivesse perdido o juízo, está ali à espera de quem já não vem.

segunda-feira, 13 de março de 2006

O PORNÓGRAFO


http://sergecar.club.fr/Dessins


O Nouvel Observateur traz um artigo sobre a história do corpo.

Parafraseando Henri Michaux, podíamos dizer que, no nosso tempo, o sexo se tornou doutrinário. Tem vida própria, como imaginário e como indústria pesada, fora do corpo.

E a coisa mais estranha é como essa separação é, no entanto, pensada como a verdadeira experiência da natureza em nós.

É assim que falando tanto do corpo, como de algo visível, traduzido em imagens e informação, na verdade, o perdemos.

"(...) a unidade do mundo que a beleza criou,
fundada sobre o belo equilíbrio da ultra-lonjura,
que atravessa todos os pontos do espaço, saturando-os de lonjura
e - quase demoniacamente - não apenas resolve as piores contradições
para idênticos valores e idênticos sentidos,
mas - ainda mais demoniacamente - em cada ponto também
enche a lonjura do espaço com a lonjura do tempo (...)"

Hermann Broch ("A morte de Virgílio")

E onde acaba a beleza, começa a pornografia.

sábado, 11 de março de 2006


José Ames

sexta-feira, 10 de março de 2006

CARTAS


Hermann Broch (1886-1951)


"Quase parecia impossível, ainda mais, parecia quase inadmissível, que a nossa realidade mais real, que alcançamos por último, se limite a ser uma simples imagem que se recorda!"

"A morte de Virgílio" (Hermann Broch)


Graças a um amigo, pude reler a correspondência dos meus vinte anos.

Claro que me reconheço e que alguns momentos do passado parecem avivar-se nessas cartas.

Um percurso da escrita e do homem que começa com muitas certezas e um futuro para convencer os outros e que chega à dúvida e à indiferença em persuadir.

O mundo juvenil é um palco e a acção é um papel que temos escrito dentro de nós.

O mais espantoso efeito do tempo é virmos a considerar que esse estrado era afinal demasiado pequeno e que a acção depende muito pouco de nós.


Miragaia (José Ames)

quinta-feira, 9 de março de 2006

VOLUNTARISMOS



"O projecto de lei do PS que introduz na lei a obrigatoriedade de as listas eleitorais terem um limite mínimo de representação por sexos de 33,3 por cento é hoje entregue pelo PS na Mesa da Assembleia da República, assinalando o Dia Internacional da Mulher."

"O Público" de 8/3/2006

No "Dia da Mulher" esteve em destaque o problema das quotas.

Seria politicamente muito incorrecto sugerir que esta medida corre o risco de alterar o status quo apenas à custa duma maior discriminação das mulheres.

A cultura da culpa leva-nos facilmente a esquecer que não é por maquievelismo masculino que as mulheres não participam mais na política e que talvez elas tenham, na sua maioria, boas razões para não pretenderem competir com os homens em todos os terrenos.

Naturalmente que eles também não querem (nem podem) concorrer com elas numa ou duas coisas de somenos.

Só há igualdade na diferença.

quarta-feira, 8 de março de 2006


Amarante (José Ames)

O GATO E A UNDERWOOD


Ruínas de Biblos


Quer queiramos, quer não, o nosso mundo é feito tanto de afectos como de objectos.

Afeiçoamo-nos ao formato do livro e não é a eficiência ou a economia dum novo suporte que o vão destronar.

O passado exige uma espécie de lealdade.

Conheço quem se recuse a trocar a velha "underwood" pelo processador de texto, apesar das vantagens maravilhosas deste.

O progresso lida também com oposições sentimentais e relutâncias. Mas, duma geração para a outra, a transição faz-se quase sem dor.

Acredito que todos os avanços do computador não o tornarão tão amigável quanto o livro para a leitura.

Ler-se-á, pois, com um nível de atenção mais pobre, como um gato sobre brasas.

terça-feira, 7 de março de 2006


"A chapa" (José Ames)

VOYEURISMO POLICIAL


"Atracção fatal" (1992-Paul Verhoeven)


"Basic Instinct" vale pela música insinuante e pela justamente célebre cena do cruzar de pernas de Sharon Stone.

Uma plateia de homens fascinados entrevê, quase subliminarmente, a "origem do mundo".

A suspeita, ao esconder-se no strip-tease do vestido branco, devolve o sentimento de culpa aos seus inquisidores.

Os polícias são reduzidos a simples voyeurs.

Vitória em toda a linha da malícia feminina.

segunda-feira, 6 de março de 2006


Arrábida (José Ames)

A IMOBILIDADE IMPOSSÍVEL


François-René de Chateaubriand (1768-1848)


"A imobilidade política é impossível; tem que se avançar com a inteligência humana."

Chateaubriand

De facto, as diferentes tomadas de posição dos diversos actores dependem umas das outras, tanto quanto dependem da história pessoal e do "ar" do tempo.

A fidelidade aos "princípios" tem mais margem de manobra do que tem a coerência com as próprias ideias defendidas no passado.

É preciso avançar, diz o autor do "Génio do Cristianismo".

Na passagem difícil, uns cortarão as amarras, sem complexos, alegando, por exemplo, que "só os burros não mudam" e outros optarão por confiar ao trabalho do tempo a mudança de sentido daquilo que sempre disseram.

Mas a imobilidade é impossível. Ficar parado, quando tudo se move, é o caminho da traição insidiosa.

domingo, 5 de março de 2006

FALAR DE CORDA


"A corda" (1948-Alfred Hitchcock)


Na ingénua teoria do super-homem que Brandon leva à prática em "A corda", não é preciso apenas cometer o crime perfeito, mas também estabelecer a inferioridade intelectual de todas as testemunhas.

Que melhor maneira do que servir um "buffet" em cima da arca com o morto escondido e oferecer ao pai de David um maço de livros amarrado com a corda com que lhe estrangularam o filho?

O "toque" de Brandon é sempre um perigoso deslizar da metonímia.

Por conveniência do "tempo" do filme, Ruppert (James Stewart) tem de explorar com demasiada facilidade a fraqueza do comparsa (Farley Granger) e de pulverizar com uma tirada moralista o adepto dum Nietzsche de pacotilha.


José Ames Posted by Picasa

MOBILIDADES


http://nosuch.com/tjt/bm/bm2004

Um jovem, no café, percorre os itens do seu telemóvel, como outros fumam, olhando as espiras do fumo.

É também uma atitude.

Mas esta pequena maravilha electrónica, além disso, é como que a objectivação das relações duma pessoa, que se vigia como quem procura um conhecido na multidão, a todo o momento à escuta da voz que se faça ouvir na encruzilhada.

O apaixonado interroga o aparelho, tacteia-o à espera da sua vibração.

O espaço foi abolido, mas não é ainda a comunicação.

De qualquer modo, os sinais errados no final de "Romeu e Julieta" nunca chegariam a ser.


José Ames Posted by Picasa

sexta-feira, 3 de março de 2006

ATRAVESSAR O POSTAL



Que procura a fotografia do bilhete postal? Anular a objectividade do espaço, a significância.

A experiência pessoal não interessa ao turista. Ele quer coleccionar vistas o menos ambíguas possível. Desde que o postal seja perfeitamente identificável, o aditivo do belo pode ser um álibi. E uma fonte inesgotável de variações e de paisagens sobre o mesmo tema é o sol. Pode dizer-se que o espectáculo do céu alterado pelo nascimento ou o pôr da nossa estrela é só por si o fenómeno central da estética do postal ilustrado.


A montanha, o lago, a floresta, a planície são figuras declinadas pela luz do sol ou da lua. Mas tendo perdido o caminho da imaginação, devido à lei do hábito e da repetição, a paisagem do calendário é um puro conceito. A reprodutibilidade do belo tem como efeito transformar o acto criador numa técnica que não exprime coisa nenhuma. Não é possível contrariar a perda de sentido da obra de arte senão pela transformação do sujeito que a contempla. Enquanto que mil giocondas são uma formidável energia desestruturante.

A fuga à repetição e ao uniforme levam-nos ao consumo desenfreado de imagens. Essa velocidade acaba por ser a tara fundamental do nosso espírito que assim se condena à superfície das coisas.

É preciso atravessar a paisagem para sair do postal e do quadro revisto.

quinta-feira, 2 de março de 2006


Vila Nova de Gaia (José Ames)

O QUE A IMAGEM ACABA


Stendhal (1783/1842)


"A dificuldade, o desgosto profundo de pintar mal e de assim estragar uma celeste recordação em que o
tema ultrapassa o dito (*) faz-me verdadeiramente sentir mal em vez de ter prazer em escrever sobre ela."

"Vie de Henry Brulard" (Stendhal)

Nesta cultura da imagem que é a nossa, em que supostamente tudo é dito, sem resto, uma imagem valendo mil discursos, a relutância de Stendhal em confiar à escrita o mais pessoal e intraduzível da experiência melhor ainda se compreende.

Porque é precisamente essa falência da escrita em ser inteiramente fiel ao vivido que permite o espaço da evocação.

Não há nada como uma fotografia, um vídeo ou um filme para nos roubar a memória.

(*) citação dum verso de Francisco I sobre Petrarca:
"La parole est toujours reprimée
Quand la parole surmonte le disant."

quarta-feira, 1 de março de 2006

A AMBIÇÃO DE GAIO


Júlio César (100 a.C. - 44)


O tratamento a que Gaio César sujeitou a sua amante Servília, cujo amor se converteu num ódio visceral é mais uma das novidades desta série da RTP-2.

Estamos em plena recriação psicológica, mas mais perto da verdade do que qualquer retrato convencional.

A mudança brutal operada na personagem é o resultado dum cálculo político perfeitamente verosímil, num dos homens mais ambiciosos da História.


José Ames

MORRER DE BOA SAÚDE



"As pessoas saudáveis deveriam sempre expor-se um pouco ao perigo. Senão, com mil raios, para que serve ser saudável? Simplesmente para, num determinado dia, morrer de boa saúde?"

"O salteador" (Robert Walser)

Ouvimos dizer, um pouco por todo o lado, que a maioria dos nossos empresários não gosta de correr riscos e daí que se encostem ao Estado, como no tempo do condicionamento industrial.

Mas também os trabalhadores estariam viciados no proteccionismo e querem ainda, por exemplo, empregos para toda a vida.

Geralmente esta paixão pela segurança é criticada com o exemplo da luta das espécies na natureza. Mas claro que nela podemos igualmente encontrar, a par do instinto de adaptação um outro, talvez mais forte, de conservação da forma própria.

O que é natural é que a mudança quase nunca seja bem-vinda e que a adaptação se tenha de fazer, a bem ou a mal.

O que nos esconde essa necessidade é a ilusão de que são os homens os responsáveis pela mudança ( e não simplesmente implicados nela ).

É essa, aliás, a explicação psicológica para o sucesso da ideia de Revolução.