sexta-feira, 31 de julho de 2015

(Barreiro)

JÓNIA



"Bem as quebrámos as suas estátuas,
Bem as expulsámos dos seus templos,
Nem por isso os deuses morreram.
Ó terra da Jónia, é a ti que eles amam ainda,
De ti que se lembram as suas almas.
Quando se eleva sobre ti uma manhã de Agosto,
Um frémito das suas vidas penetra a tua atmosfera;
E, por vezes, vaporosa, uma silhueta de adolescente,
Passa atrás das tuas colinas."

Constantin Cavafis ("En attendant les barbares")


Em nenhum outro lugar da terra, a Natureza e o Homem pesam tão pouco.

Não importa a hera ou o pó sobre as ruínas e os subúrbios cinzentos que cercam o círculo mágico.

Há, por todo o lado, pegadas de heróis e semi-deuses, na sua falsa partida, cobrindo as nossas.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

(José Ames)

JOANA D'ARC


Joana D'Arc

"A mediocridade vingou-se bem: ela foi queimada, ela que era o Espírito e a Vontade, pela burocracia desse tempo. Por minha fé, é talvez a mais bela história humana."

Alain

Em que é preciso crer para não depreciar esta história sob uma categoria como a loucura? Mas nem os inimigos do seu país, os Ingleses, foram capazes disso, e foi preciso recorrer ao terror supersticioso.

O sentimento popular não se enganou que fez dela a incarnação da alma colectiva e da sua terra em perigo de vida. Devia ser necessária, nessas circunstâncias, a ideia espalhada da fraqueza do rei e da côrte para sugerir a fé inspirada e a missão irrecusável no espírito de uma pobre rapariga do campo. Conceber essa fraqueza e encontrar a fonte do heroísmo foi um mesmo pensamento.

Alain diz que foi a burocracia que teve a última palavra, depois da prisão de Jeanne pelo poder inimigo. O que se seguiu no celebérrimo processo foi o resultado da força triturante dos argumentos de uma escolástica desenvolvida ao longo de séculos para justificar o 'status quo' exercida sobre a palavra viva, mas cercada de todos os lados, impedida de comunicar com a origem de todo o seu 'entusiasmo'.

O cinema deixou-nos, com Dreyer, o melhor dos retratos em que a mística e a psicologia se debatem. Mas não podemos, talvez, nem sequer imaginar a solidão da prisioneira, que não tinha a sombra de um recurso 'individual', no sentido moderno.

O poder político e a burocracia religiosa decidiram pela fogueira, levados pela cegueira do curto-prazo. Não viram que a 'feiticeira' renasceria das cinzas e se tornaria um dos símbolos da França. Como diz Alain, esta é, talvez, a mais bela das histórias.

quarta-feira, 29 de julho de 2015


(Barreiro)

A LINGUAGEM


http://www.elishean.fr/wp-content/ 


"Muitas palavras, e precisamente as essenciais, estão na mesma situação: a linguagem está em geral gasta e esgotada, é um meio de comunicação indispensável mas sem domínio, que pode ser usado como aprouver a cada um, tão indiferente como um meio de transporte público."

(Martin Heidegger)

Esta é uma afirmação contra-intuitiva. Descobrimos há cerca de 200 anos que 'somos', também, a linguagem que usamos. Em vez de instrumento pronto a servir, conquistado aos deuses, os 'dentes de dragão' semeados por Cadmos, a linguagem parece algo inseparável do tempo e da articulação com o mundo e da sua criação.

Mas, como processo (essa palavra que atravessa toda a história dos últimos séculos e que assinala a entrada do tempo no conceito do ser) que era suposto diferenciar-se da natureza num 'para si' hegeliano, permanece um ideal apenas acessível a alguns filósofos. No essencial, a linguagem é uma dimensão inconsciente e tão indiferente aos 'utilizadores' como 'um meio de transporte público', de facto.

Deveremos sentir-nos frustrados (culpados?) por não sermos capazes de 'saltar sobre a própria sombra'?

Não tira que a ilusão de que podemos dar esse salto é estranhamente 'produtiva'. Mas talvez nos devêssemos interrogar sobre o destino que os nossos imensos erros sobre o que na realidade somos nos preparam.

terça-feira, 28 de julho de 2015

(José Ames)

A FÉ COMUM


Chesterton

"O devoto é inteiramente livre de criticar; o fanático pode, com segurança, ser céptico. O Amor não é cego; isso é a última coisa que é. O Amor está enlaçado; e quanto mais enlaçado, menos cego é."

"Orthodoxy" (G.K.Chesterton)

Todos conhecemos exemplos de mães que vêem todos os defeitos dos filhos e que apesar disso, ou por causa disso, lhes querem mais do que à própria vida. É porque, como diz GKC, a virtude é uma coisa e o valor é outra. Não são cegas para os defeitos ou os vícios, mas estão 'enlaçadas' com o ser que trouxeram ao mundo e, para elas, isso é algo tão precioso como o melhor de si mesmas.

O que vale a crítica do devoto, se não se 'auto-critica, na sua fé mesma? Sabemos que a auto-crítica de que, por exemplo, alguns revolucionários se reclamavam não era uma crítica que pudesse pôr em causa a fé revolucionária. Partia-se sempre dela, quer para criticar os adversários políticos, quer para se controlar o respeito das regras e a eficiência militante.

De uma maneira ou de outra, é o que todos fazemos, mesmo no terreno da moral comum. A alternativa é o 'homem sem qualidades' (Musil), que é demasiado inteligente para escolher e decidir o que quer que seja. A fé a que chamo comum é o castelo interior que não lança pontes levadiças à primeira novidade. Só com uma ideia segura, ainda que não clara, se podem criticar as outras ideias.

Na mesma linha de pensamento, o fanático de uma ideia poderia ser céptico em relação a todo o pensamento. Mas aí não sigo o autor, porque não concebo o fanatismo sem zelo fanático. Alguém poderia guardar para si a única ideia que tem na cabeça? Não se deveria, pois, chamar cepticismo à sua atitude em relação aos outros e às coisas em geral.




segunda-feira, 27 de julho de 2015

(Lisboa)

ARGOS, O NAVIO




"A obstinação estéril do cérebro"! Nenhuma fórmula poderia definir melhor Ulrich, o porta-voz de Musil. Toda a tragédia desta personagem está na sua enorme inteligência crítica. Mas para lá de um certo limite, tais dons interditam a aquisição de qualidades de conservação, daquelas que vos foram dadas. Uma qualidade é sempre uma escolha da alma acoplada a uma disposição do carácter. Ela induz um desequilíbrio da personalidade. Ulrich está na crista da neutralidade intransigente, demasiado inteligente para alguma vez escolher, demasiado lúcido para não equilibrar exactamente o pró e o contra. Ulrich é exactamente igual a zero."
(Jean-Pierre Maurel)

É a inteligência que abusa da situação que lhe foi dada, propondo-se ditar leis ao mundo por sua própria conta, como se fizesse jus àquela espécie de lei formulada por Simone Weil de que a força não pode deixar de explorar os seus limites, e só não vai até ao fim de si mesma, por 'milagre' ou manifestação da 'graça'?

Ou tendo perdido pelo caminho a 'divina proporção' que nos salvaguarda das 'obstinações do cérebro', só a inteligência nos pode ajudar a reconstituir a unidade perdida à custa de um desperdício humano como nunca se viu?

Não podemos regressar a nenhum passado 'ideal', a nenhuma bifurcação onde, sem que tivessemos consciência disso, se tenha decidido o nosso destino. O mito do homem novo poderá ter uma segunda oportunidade. Será feito das peças dispersas pela nossa errância, como outro Argus, mas sem a liga certa.

O 'homem igual a zero' escalpelizado por Musil é o homem que perdeu há muito tempo o segredo dessa liga.




domingo, 26 de julho de 2015

(José Ames)

NUMA GRANDE COLÓNIA

Greek colony of Olbia (Hyères)




"(...) É talvez tempo, como muitas pessoas pensam, de mandar chamar um Controlador para reestruturar o Estado."

(...) Eles querem saber até ao mais ínfimo detalhe e passam tudo a pente fino, metendo-se logo na cabeça fazer reformas radicais, e reclamando que as mesmas sejam aplicadas sem demora.

Além disso, têm tendência para impor sacrifícios.
Renunciai a esses territórios! O vosso poder está aí periclitante;
É o tipo mesmo de exploração que arruína as Colónias.
Renunciai a este rendimento aqui. E àquele outro que lhe está ligado, e a este terceiro também: a consequência impõe-se;
Decerto que são substanciais, mas que fazer?
Eles criam-vos responsabilidades nefastas.

E quanto mais avançam no seu inquérito, mais novas despesas encontram para eliminar;

Como se isso se pudesse fazer assim tão facilmente.

E quando, com a ajuda da sorte, tiverem acabado o seu trabalho e depois de tudo passado em revista e de tudo dissecado com cuidado, eles se tiverem ido embora, embolsando o seu justo salário, é que vamos ver o que vai ficar, depois de um tal rigor cirúrgico (...)"

"Numa grande colónia grega, 200 A.C." (Constantin Cavafis)

Tantos candidatos a cirurgiões da economia, mais de dois mil anos depois!

E quanto mais nos parecermos com uma colónia, mais facilmente nos imporão um controlador.

sábado, 25 de julho de 2015

(Roma)

PARADOXOS CONTEMPLATIVOS

Voltaire: Écrasez l' Infâme!

"Uma união nunca é contemplativa, ela é sempre, e pela sua própria natureza, organizadora num sentido absoluto. Ignora, sem dúvida, que o fundador da ordem dos Iluminados, que durante algum tempo se confundiu com a franco-maçonaria, era um antigo membro da Companhia de Jesus?"

"A Montanha mágica" (Thomas Mann)

O duelo de palavras entre o jesuíta e o mação prossegue, sempre renhido, como acontece sempre que o mesmo sangue corre nas veias.

Ao grito de "écrasez l'Infâme!" de Settembrini, respondem os sarcasmos de Naphta contra esse padre da razão progressista.

Mas não podemos estar senão de acordo com a teoria da união. As comunidades de monges na Idade Média tiveram um papel económico e cultural que sem a organização não existiria.

A contemplação deve ler-se aqui como uma estratégia da acção colectiva.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

(José Ames)

A IDADE DISFUNCIONAL


Michel Foucault


"Em vinte e cinco séculos atravessaram-se três idades do amor: o prazer, a carne e o sexo."
(Michel Foucault)

A perspectiva é a de um abandono da natureza, ao longo do tempo. Mas parece-me que a linguagem que torna possível o amor implicou uma mudança radical no instinto. Assim, a idade do prazer seria uma espécie de 'infância' (que não fala).

Seguir-se-ia a idade da mortificação, em que todo o amor físico é culpado pelo motivo religioso. O corpo transforma-se em carne pecadora. O 'rendimento' em termos de prazer, deste esquema incriminatório aumenta, num paralelo curioso com a produtividade capitalista ou (nos nossos dias) com a eternização da dívida (ver o artigo de António Guerreiro no Público de hoje).

Enfim, a idade do sexo significará a completa 'independência' do amor em relação ao prazer e ao pecado. É a idade da reprodução sem fim, indexada aos 'mercados'. O sexo das outras idades como que se tornou um segredo de Polichinelo, que retirou ao amor físico a sua aura romântica, e é esse 'amor' sem mistério e sem transcendência que faz dele uma mercadoria entre as outras.

Foucault ainda teve tempo de conhecer o amor cibernético, em que o espermatozóide tem a cara de Woody Allen. Mas não chegou a teorizar essa quarta idade, eficientíssima, mas a que  poderíamos também chamar de disfuncional.


quinta-feira, 23 de julho de 2015

(Fontana di Trevi)

LEITURA FÍSSIL

Corpus Hypercubus (Salvador Dali)


Não se pode ler por ler sem uma doutrina. O espírito é permanentemente confrontado com as ideias organizadas e o pensamento estranho, que se socorre das regras do estilo e da literatura, numa posição de absoluta fraqueza.

“É impossível ao espírito mais heroicamente firme conservar a consciência dum valor interior, quando esta consciência não se apoia em nada exterior. O próprio Cristo, quando se viu abandonado de todos, espezinhado, desprezado, a sua vida não contando para nada, perdeu por um momento o sentimento da sua missão (…)”, diz Simone Weil. É melhor ter uma opinião errada do que nenhuma...

É justo ter preconceitos, diante duma força que nos quer persuadir, a cada livro, de coisas diametralmente opostas. Uma gargantuesca vontade de leitura precisa duma ideia que esteja sempre presente ao espírito, sob pena de não acrescentar nada ao mundo, nem despertar nenhuma acção.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Sem título

(José Ames)

 

ÓDIO

Aristóteles

 

"A cólera tem sempre um indivíduo como seu objecto, enquanto o ódio se aplica às classes."

(Aristóteles)

A ira é uma paixão do momento. Quando o objecto desaparece da vista, quase sempre se esquece. É como uma ferida da pele que, se não for coçada, cicatriza.

O ódio precisa continuamente de combustível. E encontra-o sempre nas circunstâncias da vida em sociedade, graças a uma ideia que confirma o odiador no seu ressentimento.

A doutrina da luta de classes, como se sabe, deve quase tudo ao darwinismo. A filosofia da "Origem das Espécies" forneceu um dispositivo para a interpretação da história que a torna de uma facilidade ilusória.

Temos de nos lembrar que as grandes ideias são simples, mas não simplistas. E que uma grande ideia pode ser esvaziada do seu conteúdo e tornar-se um elo de uma nova prisão do espírito.

Há um tipo de ódio político que sobrevive à própria classe. Essas pessoas continuam fiéis à ideia primitiva que motivou o ódio, quando o mundo mudou para todos os outros efeitos e as classes mudaram de posição ou simplesmente desapareceram.

 

terça-feira, 21 de julho de 2015

Sem título

(Alcochete)

 

TOCAR COM O DEDO

"Incredulidade de S.Tomé" ( Diogo Teixeira, c. 1540-1612)

"La preuve, voilà le malheur héréditaire de la pensée."

(Elias Canetti)

O que é a prova? É o que se pode tocar com o dedo de S. Tomé. Isso é tão "hereditário", que a Igreja não pôs em causa a santidade deste homem de pouca fé.

A prova é a realidade cingida à experiência, é a existência de ideias e coisas no mesmo mundo.

É, enfim, o desmentido flagrante da História, porque só se pensou, realmente, contra as "provas", sustentando o pensamento frente à percepção, à experiência e ao próprio pensamento tornado coisa.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Sem título

(José Ames)

 

A SUPERFÍCIE

George Steiner

 

George Steiner refere-se a "este paradoxo da proximidade, esta descoberta, que é tanto socrática como fenomenológica, segundo a qual as maiores densidades de sentido jazem no imediato, no mais obviamente à mão."

Mas toda a filosofia antiga (talvez à excepção de Heráclito) distingue a essência das coisas (o que precisa de ser revelado) do mundo fenomenal. Kant não superou essa distinção, mas pôs a essência fora do nosso alcance, o que abriu as portas à atitude científica e à produtividade do conhecimento moderna.

Deixou-se a Deus o que é de Deus que, de qualquer modo ultrapassa a nossa compreensão. Porque o imediato, na sua profundidade e densidade 'paradoxais' talvez seja o único meio permitido à razão incorporada. E a única compreensão ao nosso alcance é a do sentido.

Aquele lugar-comum que nos explica como é que o pensamento é a coisa mais rápida do mundo (sem sair do lugar) tem uma certa afinidade com a ideia de que podemos extrair sentido de tudo, mesmo do que nos ultrapassa, isto é, sem realmente sabermos para além do mito.

 

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Alvoco

HIERÓGLIFO





"A linguagem do amor é uma linguagem cifrada, e na sua suprema perfeição tão muda como um abraço."

(Robert Musil)

É uma linguagem perfeita quando consegue manter a informação à distância, numa inutilidade redonda. As palavras, então, são movimentos de dança, em que 'a verdade não se comunica, mas se entrega (se trai), involuntariamente (Deleuze, sobre Proust).

Por isso, o ciúme é uma transgressão desta harmonia. O ciumento monta as suas armadilhas, procurando, pelo contrário, informar-se.

A 'discussão sobre as provas' não tem fim. No melhor dos casos, a distorção do amor pode continuar porque o ciumento se vê obrigado a 'passar um atestado de inocência sobre um ser que sabe culpado' (idem).

"Não há logo, há só hieróglifos" (idem).

Para não cairmos na banalidade de dizer que o amor não é racional, pode dizer-se que deve ser interpretado como uma língua perdida, como se em algum período de oiro alguém dançasse com as palavras.

Mas parece certo que qualquer tentativa de interpretação precisa de supor sentido no seu objecto. É por isso que o hieróglifo é uma imagem feliz.


quarta-feira, 15 de julho de 2015

Sem título

(José Ames)

 

O SEM-FIM POLÍTICO

Clio, a musa da História

"O filantropo nem sequer pode admitir a diferença entre o político e o não-político. Não existe o não-político, tudo é político."

"A Montanha mágica" (Thomas Mann)

Tive um amigo que costumava dizer a mesma coisa. As próprias funções do corpo seriam ganhas para a causa. Mesmo no acto mais íntimo e normalmente subtraído aos olhares do semelhante, ele se sentia no "político".

Ora, a ideia duma tal instância sob cujo olhar tudo o que fizéssemos, mesmo como corpo, teria um "valor" pelo qual seríamos julgados (por História interposta) deve tudo, como se sabe, à teologia.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Museu de História Natural (Viena)

DISCIPLINA E AUTORITARISMO





"No espaço de poucas semanas, a Assembleia Nacional tinha claramente frustrado Salazar pelo número de propostas de lei e avisos prévios introduzidos pelos deputados. Salazar encontrou-se com estes a 19 de Fevereiro para os admoestar e tornou pública a sua crítica através de uma entrevista a 'O Século'. Parte do problema, admitiu, era a falta de disciplina partidária entre os noventa deputados que agiam como indivíduos destituídos de um propósito comum."

"Salazar" (Filipe Ribeiro de Meneses)

Dando como certo que o 'parti pris' não os impediria de ser isentos, se perguntássemos aos deputados de qualquer 'velho' partido da nossa Assembleia, se reconhecem a preocupação de Salazar na sua própria organização, veríamos que só as nuances distinguiriam, no caso da unidade interna, a forma democrática da forma autoritária. Por isso é que os partidos mais fechados são refractários às 'paredes de vidro' e os mais abertos depressa chegam à conclusão que a 'transparência' não pode ir ao ponto de minar a autoridade do líder.

Não estou a comparar os regimes que são muito diferentes noutras partes. E mesmo se a democracia já não pode ser a extensão da tradição que Chesterton, por exemplo, via nela, o voto, o debate público e a liberdade de oposição limitam os que, porventura, com a melhor das intenções, governam contra o povo, quer o voto tenha ou não tenha correspondência directa com a acção do governo (e até se possa traí-lo no dia seguinte), o debate não seja mais do que um remoinho no seio das elites e a oposição possa ser levada a usar a liberdade contra si própria, deixando de cumprir o seu papel de alternativa.

Talvez que, simplesmente, o poder não possa ser utilizado com 'pinças' e seja, no melhor dos casos, um mal necessário.

Que pacto pode ser, então, virtuoso? Há um aspecto do poder que lembra imediatamente a violência mecânica da natureza. A democracia talvez esconda melhor esse pacto faustiano, mas em situações raras, de grande simbolismo, o valor do voto e o que passa por ser a vontade do povo ficam mortalmente expostos.



segunda-feira, 13 de julho de 2015

(José Ames)

TUDO É RELATIVO?




"Einstein cita como exemplo do princípio da relatividade o facto de uns o considerarem um "sábio alemão" e outros um "judeu suiço."

(Em entrevista ao "Times", citado por Jacques Merleau-Ponty)



A infeliz confusão entre o nome da mais famosa teoria científica do século passado e a opinião espalhada por toda a parte que é conhecida por relativismo é aqui incentivada pelo próprio autor da teoria, talvez levado pelos seus sentimentos em relação à atroz perseguição dos judeus no seu tempo.

Porque é bom de ver que a revolução da Física, e da nossa visão do Cosmos não se podiam ter ficado a dever à afirmação banal de que a visão das coisas depende de um 'ponto de vista', a qual, já agora, não tem nada a ver com o 'relativismo' que, mais do que o reconhecimento da importância da perspectiva é uma filosofia e uma moral que defendem que tudo se equivale e que tudo está justificado pela sua circunstância.

A vida do grande homem de ciência demonstra que abominava o niilismo implícito na opinião relativista.

Mas - quem sabe? - talvez no momento estivesse farto de entrevistas e daí o seu descuido. Esse é tão pouco o verdadeiro Einstein como o daquela inagem em que nos deita a língua de fora.

No fundo, ele estava-se a borrifar para a gravidade.

domingo, 12 de julho de 2015

Sem título

Caminha

 

A CRENÇA NO FUTURO

https://fewscribbles.files.wordpress.com/2009/12/thinking-ahead1.gif

 

"Mas não podem escapar. Este puro elogio da volição acaba na mesma destruição e no mesmo vazio da mera perseguição da lógica. Exactamente como o pensamento completamente livre envolve a dúvida sobre o próprio pensamento, assim a aceitação do mero 'querer' na realidade paralisa a vontade."

"Orthodoxy" (G.K.Chesterton)

Nesta encruzilhada europeia, todos os países podem invocar a democracia e a vontade do povo para defenderem posições incompatíveis. Verifica-se que a ideia da Europa não vingará pela simples vontade das cúpulas, nem através de um processo genuinamente democrático. Lincoln surge aqui para nos lembrar que não foi a livre discussão que forjou a unidade americana. Os nossos costumes não mudaram tanto que não possamos aprender com a guerra civil dessa grande nação.

Todos os países que formam a UE são construções 'naturais', cheias de 'anomalias' resistentes a qualquer 'conformação' continental.

Claro que há grandes mudanças a partir de cima (mas nunca conforme os 'reformadores', ou os monarcas 'esclarecidos as pensaram). Ivan o Terrível ou Pedro o Grande da Rússia conseguiram-no, com custos humanos incalculáveis. O nosso Marquês foi um homem duro, com uma espécie de mandato conferido pela catástrofe

Mas não devemos menosprezar a força das leis para corrigir os costumes. A convivência com as novas ideias muda também a disposição dos povos, ou pelo menos a das novas gerações. Bonaparte perdeu a guerra europeia, mas não a paz que se lhe seguiu. Julien Sorel ("Le rouge et le noir") não foi a única cabeça esquentada pela 'Campanha de Itália' e a mensagem da Revolução Francesa.

Talvez se possa dizer que as grandes reformas precisam de força para serem rápidas (mas quase sempre traídas), e de tempo para se imporem pacifica e definitivamente

Do que a Grécia actual precisa é de líderes que vejam o horizonte para lá das árvores. Se faltarem, impor-se-á a força míope dos banqueiros.

A visão que se pede é, no fundo, uma crença no futuro. Aqueles que pensam só dentro da 'caixa do presente' são os nossos coveiros.

 

 

sábado, 11 de julho de 2015

(José Ames)

TATUAGEM




Ao balcão da snack, o calor expõe a rude tatuagem, com data e tudo.
O que é que a idade faz com tudo isso?

O arrependimento obrigava a constantes explicações.
Por isso, aquele momentâneo desvario juvenil se tornou doutrinário.

Ao inscrevermos no corpo uma pertença, fazemos um juramento para toda a vida.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Sem título

(Astorga)

 

A REDE TEÓRICA

http://www.lavonn.net/sitebuildercontent/sitebuilderpictures/Ano2010a/.pond/Globalnet.jpg.w300h212.jpg

"O papel da física matemática é exactamente levantar questões, apenas a experiência pode resolvê-las."

(Poincaré)

Neste caso, de acordo com o raciocínio intuitivo, as questões teóricas não nasceriam da experiência, mas da própria teoria. É a ideia de uma rede de pensamento cobrindo o mundo.

Mas o grande matemático diz a seguir que os problemas teóricos só podem ter solução na experiência, o que já me parece objectável. Porque a teoria é consequente consigo mesma, em primeiro lugar, e a referência ao mundo não lhe é essencial. Qual é, pois, a relação entre a 'experiência' e a 'rede do pensamento', ou o mundo das ideias?

Para que a 'solução' na experiência de qualquer problema da 'física teórica' seja possível, tem de se acomodar à 'rede' ou provocar uma adaptação na lógica do reticulado. A teoria da relatividade deveu o seu enorme sucesso à sua capacidade de 'explicar' o mundo melhor do que qualquer outra teoria. A 'confirmação' pela experiência venceu as resistências e consagrou a 'relatividade', a nível mundial. Significa isso que o verdadeiro problema (teórico) não estava resolvido antes daquele sucesso?

É porque a ciência tomou partido por um mundo sem milagres, sem essência inacessível, sem intenção divina ou satânica que o nosso mundo se tornou o objecto passivo da análise teórica. O pensamento nunca é repelido pela força se se aprender a arte de navegar.

A rede, ou a prótese mcluhaniana do nosso cérebro (que o 'numérico' da Internet parece ter demonstrado de uma forma espectacular) dir-se-ia que contorna todos os obstáculos, simplificando o universo, cuja realidade deixou de nos interessar.

 

 

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Sem título

(José Ames)