quarta-feira, 1 de julho de 2015

PARA ALÉM DA ADULAÇÃO



(L'école des femmes)


"(...) estranho século aliás, em que, ao contrário dos tempos épicos, só era permitido descobrir a miséria do homem no amor, enquanto que os efeitos da força na guerra e na política tinham de estar sempre envoltos em glória."

(Simone Weil, a propósito de "L'École des femmes"(Molière) e de "Phèdre" (Racine) 


Mas o rei, Luís o Grande, 'protector das artes' e a quem foram dedicadas tantas obras-primas do teatro do século XVII, o rei que se iludia (ou talvez não; não era ele beato de Deus e mais ainda do seu médico?) com a célebre metáfora do sol, representando o seu papel central e vivificador num reino pacificado graças à sua prudência e à submissão dos frondistas, compreenderia outro drama que não fosse o dos jogos galantes?

Era tão grande a cegueira de Luís XIV que, fora dos jogos florais da corte, e da mumificação do rei sob os protocolos que inventava como um Petrónio da decadência romana, se escavava cada vez mais o fosso entre a aristocracia e o povo.

Talvez Molière e Racine tenham sobrevivido à ideologia 'pastoral' e à adulação servil, por terem, sobretudo, sido fiéis a uma ideia da arte que era nada menos do que a de ultrapassarem os clássicos no seu terreno. Mas a supremacia do teatro grego, por exemplo, apresentava-se aos seus olhos despida do contexto político e social. Os autores do século, dito de Luís XIV (Voltaire), tinham um modelo de arte pura, com um sistema 'imunológico' a toda a prova: dois milénios de admiração.

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