quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

(Pallanza)

A CRENÇA DO MATERIALISMO

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"O materialismo tem pelo menos a visão justa da fraqueza humana. Mas leva ao desprezo do homem. Colocando o bem na matéria, faz com que o homem seja tratado como matéria - ou abaixo dela. Porque duma relação ao mesmo tempo exterior e interior faz uma relação puramente exterior."

"Fragments et Notes" (Simone Weil)

Simone diz também que os materialistas crêem no materialismo, e que, apesar de tudo, o materialismo está mais próximo de "receber a verdade" do que o humanismo, pudesse ele permanecer "algum tempo sem esperança".

O que não passa no mundo de hoje não é que o materialismo seja uma crença (afinal, a própria ciência parte dos mitos em que acreditamos), mas é a ideia platónica do Bem, que orientaria essa crença. O Bem é o sentido que se dá ao cosmos e ao homem como uma dimensão desse cosmos. Mas podemos viver sem essa relação ao todo, de que parece, de resto, que perdemos a linguagem e a simbologia, para nos fixarmos no que podemos conhecer, isto é, em nós mesmos.

É verdade que esse culto pode ter consequências desastrosas e obrigar-nos a olhar, de cada vez, um pouco mais longe.

O ambiente, por exemplo, é apenas o emissário desse reino longínquo.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

(José Ames)

O ERRO DE PTOLOMEU

Friedrich Hayek (1899/1992)



"As pessoas nem sempre se dão bem conta disso, e por hábito justifica-se a delegação pelo carácter técnico da tarefa. Mas tal não significa que só o detalhe técnico seja delegado, nem mesmo que a inaptidão dos parlamentos para compreender os detalhes técnicos esteja na origem da dificuldade.

(...) No entanto, ninguém até agora sugeriu, com seriedade, que a legislação civil seja delegada a um corpo de especialistas. O facto é que nestes domínios a legislação não vai além das regras gerais sobre as quais é possível que uma maioria se entenda, enquanto que no domínio económico os interesses a conciliar são tão divergentes que não há qualquer hipótese de se chegar verdadeiramente a um acordo sobre eles numa assembleia democrática."

"La route de la servitude" (Friedrich Hayek)

Hayek verbera a "prática de delegações massivas e indiscriminadas" a que o Parlamento britânico recorria, nos anos trinta, segundo o relatório Donoughmore e refere esta frase, ali, inocentemente reveladora:" se o Parlamento não delegasse o poder legislativo, não poderia votar as leis exigidas pela opinião pública."

E o dilema, em democracia, é então entregar a direcção da economia e de outras áreas governamentais a comissões especializadas e a organismos separados (o que Hayek chama de planismo), sob o pretexto da tecnicidade das matérias, ou deixar as forças económicas e a iniciativa dos indivíduos entregues a si próprios, desde que respeitem os limites da lei.

Aqui só podemos julgar pela experiência. E sabemos que a necessidade de planear até o detalhe e de impor escolhas que sempre implicam uma decisão a favor de uns e em detrimento de outros, decisão que, sendo os homens o que são, não deixaria de parecer arbitrária, levaria à omnipotência da burocracia que influiria na vida de cada um mais do que é admissível numa sociedade regida pela igualdade e pela justiça.

Na tão sedutora ideia de que a libertação das necessidades está ao alcance dos homens (o único obstáculo sendo, precisamente, a desigualdade económica ) e de que a sociedade se pode conduzir como um indivíduo racional, apenas precisando de acabar com a divisão dentro de si própria (a existência das classes) há muito mais do que aquilo que o marxismo viu nela.

Se é um erro, no fundo é o mesmo erro de Ptolomeu. A melhor explicação é aquela que parece estar de acordo com a experiência dos sentidos e com o sentimento da razão.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

PAIDEIA



"Visto que, à excepção da justiça, se atribuiu a cada uma das quatro virtudes cardeais da antiga política o respectivo lugar dentro do Estado, pela sua localização numa classe especial da população, já não resta à justiça nenhum lugar especial nem classe nenhuma da qual seja património; e então surge intuitivamente perante o nosso olhar a solução do problema: a justiça consiste na perfeição com que cada classe dentro do Estado abraça a sua virtude específica e cumpre a missão especial que lhe cabe."
"Paidéia" (Werner Jaeger)

Percebe-se como a educação, no sentido da paideia, podia ser a chave do Estado perfeito. Tal como Marx e Lenine falavam num deperecimento do Estado, abolidas as classes, em favor da administração geral das coisas, Platão parece advogar o mesmo efeito sobre o Estado duma eficiente educação de cada classe na virtude que lhe é própria. Contudo, a experiência mostrou, contra os primeiros, de que longe de estar confinado à violência exercida sobre as classes dominadas, o Estado incorpora necessariamente a violência da sociedade sobre o indivíduo e, em vez do seu deperecimento, assistiu-se a um reforço do Estado e da burocracia, mesmo nos países onde, por outras razões, sempre se defendeu uma redução drástica do Estado.

O que vale hoje esta ideia da educação no sentido platónico? Se a interpretação de Jaeger está correcta e esta ideia nunca teve, no espírito de Platão, um alcance político directo, mas se aplicava à alma individual e a uma filosofia de vida, ela deixa de nos parecer absurda e contrária ao adquirido pelas ciências sociais e torna-se numa luminosa imagem do homem socrático, cujas forças e instintos, educados na "ginástica e na música", libertam a razão do seu papel de "cocheiro" para se dedicar à "contemplação da verdade".