domingo, 24 de julho de 2005

A PONTE DAS ALMAS


A ponte de Entre-os-Rios


 
Agora, em vez da ponte ruída, e que causou a morte de 59 pessoas, em Entre-os-Rios, há duas pontes novas. A faixa de macadame estende-se até às colinas verdes a sul como uma passerelle para o desfile das almas.

É tentador converter os mortos em engenharia que une as duas margens (o que eles também são, entre este mundo e o “outro”). Como se a camioneta cheia de gente que se afundou no Douro fosse um sacrifício exigido por um deus a quem só um holocausto arrancasse da sua surdez.

É a culpa como motor do desenvolvimento ou o rendimento do simbólico. A economia, não conseguindo explicar esta lógica, parece um imponente parque industrial desafectado.

Não sei como, mas isto tem algo a ver com o momentoso problema do défice...

sábado, 23 de julho de 2005

A CAÇA AO ELEFANTE BRANCO






“Há uma íntima relação entre a imprevisibilidade do resultado e o carácter revelador da acção e do discurso; o agente revela-se sem que se conheça a si mesmo ou saiba de antemão “quem” revela.”

 
Hannah Arendt (in “A Condição Humana")


Leio vários artigos nos jornais sobre os investimentos estratégicos deste governo. As opiniões dividem-se. Uns acusam-no de cedência aos lobbies ou de se estarem, assim, a criar novos elefantes brancos e a inviabilizar o objectivo prioritário de redução do défice. Outros acham que é preciso decidir, de uma vez por todas, sobre o novo aeroporto de Lisboa e o TGV, que deverão ter repercussões positivas no desenvolvimento, como outros pretensos elefantes brancos já tiveram, e que, de resto, ninguém pode contabilizar à partida todos os efeitos desse investimento público.

Enfim, estarei mais informado? Não teria ainda elementos para tomar uma decisão, se precisasse de a tomar. Mas o que obtive daquela leitura permite-me, ainda assim, ter uma opinião? Também não. O que acontece é que são as escolhas políticas anteriormente feitas ou as simpatias do momento que acabam por fazer sair as pessoas da indecisão. E a primeira palavra proferida é já um corte do nó górdio, que nos obriga a um princípio de coerência.

Por higiene intelectual, não nos deveríamos pronunciar sobre o que não sabemos, e só sabemos duma acção no seu contexto. Mas não é assim que as coisas se passam. Uma imagem mais eloquente faz-nos embarcar na aventura.

domingo, 17 de julho de 2005

A POLUIÇÃO DAS IMAGENS


Poluição



Não se pode compreender o moderno terrorismo sem a dimensão mediática que amplia as suas repercussões tornando-o numa encarnação do Mal, ubíquo e omnipresente como qualquer facto da imaginação.

A ideia da globalização que pouco a pouco tornou as teorias de Mc Luhan no catecismo de qualquer mortal mediatizado faz com que o terror tenha deixado de ser um fenómeno local circunscrito a qualquer guerra ou conflito em aberto.

Por outro lado, é muito sedutora a imediata notoriedade que os media conferem àqueles por quem o terror vem, e que muitas vezes são as suas primeiras vítimas voluntárias, com o que ganham uma espécie de imortalidade no espaço virtual. Sem esse eco tecnológico à escala mundial, esses actos perderiam ao mesmo tempo o seu fundamento religioso ou político e se tornariam numa loucura banal e inexplicável. Porque estamos confrontados, apesar de tudo, com uma racionalidade, que só se compreende pelo rendimento da comunicação planetária.

Por isso, o modo como as autoridades responsáveis e a polícia londrina lidaram com os atentados de 7/7, numa lógica anti-mediática, é o caminho para esvaziar de sentido um flagelo moderno.

Nesse caso, ficou também demonstrado que outro ganho de não se ter enveredado pela intoxicação do pensamento através das imagens da violência e de se fomentar o medo, foi o dos Ingleses e os europeus em geral, em vez do espanto e do horror paralisantes que provocou o ataque às Torres Gémeas, terem conhecido, nestes tempos de cepticismo e de relatividade moral, o primeiro suplemento de alma desde há muito tempo.

Da provação veio o princípio da força e não o pânico.