terça-feira, 28 de fevereiro de 2006


Guarda (José Ames)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

AS GUEIXAS JÁ NÃO SÃO O QUE ERAM



No Ocidente sempre se encarou com cepticismo a ideia de que o sexo estivesse excluído da arte de sedução das gueixas japonesas.

A requintada educação dessas mulheres, o cerimonial de que se rodeavam, as suas admiráveis competências para a música, o teatro e a conversação não as punham ao abrigo do desejo e da violência.

A influência ocidental e a corrupção que resultou da segunda guerra mundial vieram ao encontro desse preconceito.

Tornou-se menos raro que alguns homens brutais ou "protectores" das raparigas pobres confundissem a arte da gueixa com uma prostituição para elites.

É isso que nos vem mostrar um precioso filme de Kenji Mizoguschi: "Os músicos de Gion" (1953).

Essa ideia duma casta de mulheres dedicando a sua vida a servir uma clientela, como sacerdotisas dum erotismo sublimado, consumando um sacrifício quase idêntico ao dos "castrati" de uns séculos atrás é algo que repugna à mentalidade moderna.

Mas em que é que as nossas práticas de clausura religiosa são mais modernas?



José Ames

domingo, 26 de fevereiro de 2006

MIND THE GAP!


Lawrence da Arábia (1962-David Lean)


Neste conflito entre o mundo árabe e o Ocidente, vem a propósito evocar a figura dum mediador de proporções míticas, cujo sucesso não foi ainda ultrapassado: T. E. Lawrence.

É claro que ele também foi um instrumento do colonialismo, mas jogando contra ele na medida em que se envolvia na causa desses povos.

A sua demonstração de que "nada está escrito", no episódio em que volta às "Bigornas do sol" para trazer o homem que caíra do camelo (no filme de David Lean), é o contrário da retórica e de qualquer superioridade teológica.

O heroísmo e o seu amor ao deserto são os ingredientes da sua influência.

Isso ilumina talvez as raízes do ódio e da intolerância: a distância entre o nosso modo de vida e o da maioria dos muçulmanos, que lhes está presente a todo o instante através da globalidade dos media, é um insulto permanente.

Nem aquilo que temos por mais nobre e (virtualmente) mais universal escapa ao dedo acusador do privilégio.

Quem já andou de metro em Londres, conhece aquele aviso que se ouve sempre que abrem as portas das carruagens, nalgumas estações: "mind the gap!" (cuidado com o fosso entre o comboio e a plataforma).

É dum fosso que temos de ter consciência antes de qualquer interpretação dos gestos.


Abrantino reflexo (José Ames)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

EM BABILÓNIA SUJEITO



"E se eu cantar quiser,

Em Babilónia sujeito,

Jerusalém, sem te ver,

A voz, quando a mover,

Se me congele no peito."

Luís de Camões


O sentimento que o poeta exige como prova de fidelidade é o luto, e cantar é já esquecer.

Que a cidade espiritual seja invocada com todo o ser, como algo que alimenta o crente e transforma a sua sujeição em gloriosa esperança.

É por isso que essa Jerusalém deve estar no íntimo segredo e fora do alcance do profano.

É outro modo de entender a ofensa de que é acusado o jornal dinamarquês.

O colectivo não tem segredo. Falta a alma individual com os seus vários aposentos.

E isso foi criado deste lado do sol.


José Ames

O SAUDÁVEL IMAGINÁRIO


the Sun as viewed by the Soft X-Ray Telescope


Um recente relatório da National Academy of Science sobre "Biological Effects of Ionizing Radiation (BEIR VII)" vem lançar uma série de interrogações sobre algumas práticas de prevenção usadas há longos anos.

Com efeito, esse estudo concluiu que os Raios X ( e a Tomografia Computorizada, o TAC ) provocam o cancro, mesmo em exames individuais.

Sem estar em causa o progresso que esse tipo de exames trouxe ao diagnóstico médico, não deixa de ser quase absurdo que uma pessoa saudável só por fazer um rastreio de rotina aos seus pulmões fique habilitada a desenvolver um cancro nos 20 anos seguintes.

Porque o facto do rastreado sair do exame aparentemente com a mesma saúde e a dificuldade de estabelecer uma ligação entre a doença futura e aquelas radiações, anos depois, tem permitido a boa-consciência dos médicos e o florescimento do negócio das radiografias. Tudo isto com o beneplácito do "saudável imaginário" que julga ter feito o que podia e devia para conservar o mais precioso dos bens.

Em muitas coisas, estamos ainda como o selvagem que é pai ao fim de nove meses sem saber como.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

BRUSCAMENTE, AQUI


"Bruscamente, no verão passado" (1959-Joseph Manckievicz)

Esta notícia chocante de que a umas escassas centenas de metros donde eu vivo, um grupo de adolescentes apedrejou até à morte um pobre diabo.

Parece que a vida não faz mais do imitar a arte (deve ser isso o hiperreal).

Ocorre-me logo o crime em "Bruscamente, no verão passado".

No filme de Manckievicz, nada vemos dos factos, apenas o terror e a neurose nas palavras de Catherine (Elisabeth Taylor).

Aqui, também em off, um travesti é morto num prédio abandonado.

Por que mão? Que derrame do inconsciente colectivo responde por esta crueldade?


José Ames

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

ROMA, UNS FUROS ACIMA


Ciarán Hinds em "Roma" (2005-Michael Apted)


Na excelente série "Roma" que passa na RTP2, o tempo da acção deixa-nos penetrar no quotidiano dessas vidas, nos seus hábitos, manias e superstições.

Pela primeira vez um "peplum" mostra-nos uma cidade reconstituída como nunca víramos (a não ser no "Satyricon") e os romanos são-nos apresentados com alguma distância e estranheza.

Não são, como em tantos filmes, personagens dos nossos dias apenas disfarçadas de senadores e de legionários.


José Ames

domingo, 19 de fevereiro de 2006


Vila Nova de Gaia (José Ames)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

MORTE SENHORIAL

Em "L'instant de ma mort", Maurice Blanchot conta como o jovem protagonista "morreu", no momento em que, quando os Aliados pisavam o solo francês, com os Alemães já vencidos, mas ainda "inutilmente ferozes", o tenente nazi que chefiava um grupo de soldados o deixou fugir e poupou o seu castelo, ao mesmo tempo que incendiava a aldeia vizinha e fuzilava alguns camponeses.

A luta de classes, em França, tem sempre um desfecho trágico.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006


José Ames

O DESENHO DA GUERRA

Num excelente artigo no "Público", de Manuel Queiró, chama-se a atenção para o óbvio (mas que parece que alguns não querem ver): a indignação do "mundo" muçulmano por causa dos cartoons e pela associação do seu profeta ao terrorismo, nunca até agora se manifestou contra os próprios actos terroristas, levados a cabo em nome do Islão.

Para não insistir no facto da violência da sua reacção aos desenhos confirmar aqueles que acreditam na dita associação, embora sem nenhuma espécie de razão.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Os trinta dinheiros já foram entregues pelo embaixador do Irão a Freitas do Amaral.

domingo, 12 de fevereiro de 2006


José Ames

VATICÍDIO


"As Obras Completas de William Shakespeare "


Finalmente pude ver, no Europarque, um espectáculo que tenho encontrado sempre esgotado: "As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos", pela Companhia Teatral do Chiado.

O grande dramaturgo como se percebe é apenas um pretexto para fazer rir, e os actores em cena conseguem-no, com todo o mérito (e algumas provocações à plateia, de gosto mais discutível).

Não se compreenderia a peça sem ser à luz da cultura teatral inglesa e da proverbial auto-ironia dessa nação.

Brincar assim com uma instituição quase sagrada como é, para os Ingleses, esta figura ímpar da cultura universal, em nada a diminui.

Nenhuma caricatura a poderia pôr em causa.

Afinal, até com a morte podemos brincar, o que é uma bela maneira de a levarmos a sério.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006


José Ames

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

LIBERTINOS



Entre o prólogo e o epílogo de "O libertino", de Laurence Dunmore, ( um achado de inspiração isabelina) em que nos é perguntado se gostamos ou não da personagem (o conde Rochester), seguimos a história dum homem que não acreditava em nada, a não ser no seu niilismo.

Depois de trair os amigos e provocar o rei (um Carlos II improvável, mas interpretado por um Malkovich surpreendente) acaba salvando a monarquia com um golpe de oratória parlamentar.

Um regime salvo por uma tal homem não podia durar muito (vinha aí a Revolução de 1688).

Esta Inglaterra do século XVII é-nos apresentada como um lamaçal intransitável, tanto física como moralmente.

E à vontade de auto-destruição de Rochester não parece sobreviver nada que valha a pena.

Comparados com este libertino que o ser evaporou na "lida insana", Sade fez render um polémico talento literário e Casanova, que foi o mais feliz dos três, escapou ao castigo de D. Juan com umas prodigiosas "Memórias".

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

O ESPÍRITO DA SANGRIA




"No século XVIII, a sangria era ainda a terapêutica para todos os males. Em França, era muitas vezes praticada pelos barbeiros que munidos de lancetas e escudela se apresentavam à cabeceira dos pacientes."


(Jacques Branchu)

Este erro que tantas vidas terá custado e em que durante tanto tempo se acreditou permitiu também livrar os homens da indecisão, justificar algumas profissões e alimentar a vaidade dos doutos.

Sempre o tema do "homem põe e Deus dispõe", ou, simplesmente, de que não é só o sentido das nossas acções que nos escapa, mas também o resultado delas.
Como dizia Teixeira Gomes ("Carnaval Literário"), os "(...) modestos barbeiros e administradores de clisteres subiram às mais altas funções sociais."


Mas o espírito das sangrias coexiste com os progressos da ciência.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

DUELO NO PÂNTANO


"Floresta interdita" (1958-Nicholas Ray)


O jovem Murdock (Christopher Plummer) venceu o ogre Cottonmouth (Burl Ives) pela coragem, quando o procurou sozinho no seu covil no meio dos pântanos.

Ele teve que se extraviar nos caminhos do outro, nos seus prazeres e bravatas, compreendendo o homem por detrás da ameaçadora presença.

O novo guarda do parque natural quer impedir o massacre das aves aquáticas ( para as penas que enfeitavam os chapéus da moda).

Não é o herói que volta ao Inferno para espalhar o caos da vingança.

O seu método é o do duelo cavalheiresco.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

INSÓNIA



O comboio do sono a certa altura parou e vi-me num apeadeiro cheio de figuras
inquietantes. O mundo dos "bodysnatchers".

Não brilhava uma luz em qualquer direcção que olhasse da janela.

Voltei a encostar-me no assento e esperei, com toda a indolência estudada que me foi possível, que o comboio retomasse a sua marcha.

sábado, 4 de fevereiro de 2006

Quando se compara o radicalismo islâmico com o radicalismo de Israel, para dizer que não se pode condenar um sem condenar o outro, ou para tomar o partido do mais fraco (militarmente), dá-se de barato que o direito à existência equivale ao direito a um território ocupado.

Embora a arrogância de Israel e a sua concepção de segurança que desencadeia a violência comprometam qualquer processo de paz, isso não significa o mesmo que negar à partida o direito à vida do adversário.

Esta outra violência (que não é só verbal, como se sabe) e cuja eficácia não se pode medir apenas em termos militares, condena as aspirações mais justas dos palestinianos a nunca se realizarem ou a terem como preço uma injustiça maior do que a da ocupação.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

EMBOLIZAÇÃO

Os partidos são indispensáveis à democracia, mas não a corrupção, que lhes é adventícia. É isso o que diz JPP, em resumo, no seu segundo artigo sobre "A lenta dissolução dos partidos".

O que fazer então para que os interesses alheios à política pura não tomem conta da vida partidária?

Se é que possível que essa excrescência não se agarre ao poder como os mexilhões e as lapas ao rochedo e, com o tempo, se torne a própria essência da coisa.

Mas que embolização diminuirá o poder dos partidos?

Temo que o único antídoto seja a paixão pela política e a acção e a mobilidade dos cidadãos.