domingo, 30 de junho de 2013

Sem título

 

'Querelle '(José Ames)

 

ESFERICIDADE

"A conclusão de Agostinho é a de que não é necessário deixar-se impressionar pela descrição do tabernáculo bíblico (como forma do cosmo) porque, sabe-se, as Sagradas Escrituras falam frequentemente por metáforas, e talvez a Terra seja esférica. Mas, uma vez que saber se é esférica, ou não, não serve para salvar a alma, pode-se ignorar a questão."

(Umberto Eco)


Poderia encontrar-se melhor exemplo do que nos separa da mentalidade antiga? Maior distância do que esta diferença de prioridades?

A ideia da salvação não se perdeu (e até foi 'recuperada' pela informática, por exemplo, com o 'guardar' - 'saving' - e o 'converter', como lembrou há tempos Tolentino), mas dir-se-ia que o que domina, culturalmente, são questões como a de saber se a Terra é ou não esférica. E, na verdade, sem essa questão resolvida não teríamos o mundo moderno.

Contudo, há uma imensa maioria (com menos influência cultural a curto e a médio prazo) que, podia dizer-se, observa o princípio de Agostinho: mesmo que as pessoas pudessem ser esclarecidas, o conhecimento daquele género não é, de facto, prioritário, pelo que toda a questão é, na prática, 'ignorada'.

O conceito do átomo (que nada tem a ver, na origem, com a ideia de hoje) atravessou milénios sem inquietar as almas. Foi, na verdade, ignorado (ou, melhor dito, não foi 'visto').

Vivemos ainda, como sempre, rodeados de 'átomos democratianos' que não vemos ( a ideia deles nem sequer existe). Continuamos, de uma maneira ou de outra, a preferir 'salvar-nos'.

 

sábado, 29 de junho de 2013

Sem título

Alcácer-do-Sal

 

A REDE ESBURACADA

 

“Aqui reside o paradoxo: a rejeição da organização tayloriana e a coroação da empresa humanista aceleram a desestabilização, a fragilização subjectivas. Quer seja na esfera privada ou na esfera profissional, por toda a parte a autonomia individualista paga-se em desequilíbrio existencial”

Gilles Lipovetsky (“O crepúsculo do dever”)


A disciplina e os esquemas mais rígidos não anulam a angústia. Segundo o modelo energético de Freud, apenas a deslocam, sob a forma de modificações somáticas.

A utopia de Taylor lembra-me, em “The killing fields” (Alain Joffé), a termiteira dos campos no Cambodja de Pol Pot, vigiada por crianças histéricas, que disparavam à menor suspeita de “heresia”. Com os seus lenços vermelhos e as suas metralhadoras pareciam a inocência conduzindo a morte, nesse paranóico regresso à pureza.

Parece que estamos muito longe da divisão racional do tempo, mas em ambos os casos é a razão que engendra os monstros.

O humanismo na empresa desemboca no impasse descrito por Lipovetsky. Só podemos ser livres, como o trapezista é livre, arriscando a queda a todo o instante.

Por isso a rede tinha que ser inventada. Mas hoje está esburacada pelo cepticismo e pela descrença.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Sem título

 

(José Ames)

 

DISPERSÃO

Thomas Edison

 

"(...) as intuições correctas dos especialistas explicam-se melhor pelos efeitos da prática prolongada do que pelas heurísticas."

"Pensar Depressa e Devagar" (Daniel Kahnemann)


O célebre aforismo de Edison e de outros sobre um mínimo de inspiração e um máximo de suor quer dizer isso mesmo.

O acaso (ou o capricho da musa) não tem consequências (para além da 'rêverie') se não for uma solução imprevisível para uma questão muda, para um anseio que pode não ter chegado à expressão, mas que prepara e espera o 'capricho' da inspiração.

É por isso que a verdadeira ideia só vem ao músico que pensa em música toda o dia, ou ao escritor que vive a realidade através das malhas do seu romance. E não a quem até pode encontrar nela uma certa originalidade, mas completamente inútil e votada ao esquecimento.

Quantos artistas de um momento não existem! Suponho que até os verdadeiros mestres numa arte, às vezes imaginam que, se quisessem, poderiam dominar as outras.

Quanto ao artista preguiçoso que vive apenas dos seus sonhos, está tão longe da arte, como a nossa capacidade de interpretar o mundo o está da realidade:

"É esta a essência das heurísticas intuitivas: quando somos confrontados com uma questão difícil, respondemos, em vez dessa, a uma mais fácil, geralmente sem notarmos a substituição." (Ibidem)

 

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Sem título

Albuquerque

 

GRANDES COISAS

 

"Não há nada de mais perigoso para o espírito do que a sua associação com as Grandes Coisas."

Robert Musil

O melhor exemplo é o das catedrais. O ambiente do templo não impediu a pior das intolerâncias. A Inquisição, no seu apogeu, foi o verdadeiro anti-Cristo.

Custa-nos a imaginar que o espírito cristão tenha caído nas mãos de uma guarda tão maléfica como as SS de Himmler.

A inquisição foi, teoricamente, um método para salvar as almas. Tornou-se uma arma política e um pretexto para o confisco da riqueza, sendo, no caso da península ibérica, uma grave causa de decadência e de empobrecimento. Um dos 'menores' males, foi o de termos perdido um grande filósofo: Bento Espinosa.

A unidade da Igreja era, sem dúvida, uma Grande Coisa (ou uma grande causa), mas, desde que se tornou numa política e numa doutrina, isso separou-a do espírito evangélico.

É possível que esse espírito esteja encerrado nas grandes catedrais, como que hibernando, ou como a bela adormecida à espera do beijo salvífico? A nossa época enterrou bem fundo esse espírito, a ponto de parecer uma 'revolução' um papa que se quis chamar Francisco, o amigo da pobre gente e das pequenas coisas.

O problema das Grandes Coisas é que normalmente custam muito dinheiro.

 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Sem título

 

(José Ames)

 

AVATAR

http://themetamorphisis.wordpress.com/category/metamorphosis-2/from-the-ashes/

 

"Se cada pessoa se concebia a si mesma como parte de um todo, não considerava a sua relação com Deus como meramente pessoal."

"Levantar o Céu" (José Mattoso)


Não admira que tivéssemos de começar por uma espécie de esconjuro da Idade Média e do que ela representava. É contra esse céu escuro que o novo Prometeu ergue o seu archote. Será preciso dizer que a Reforma luterana é o princípio, envolto em 'trevas' ainda, da 'descolagem' dessa totalidade não-humana, isto é, não-racional?

Hoje, como não podia deixar de ser, somos mais justos com esse tempo com que gostávamos de comparar todos os regimes políticos 'anacrónicos'.

Um sem-número de estudiosos deu-nos a conhecer a extraordinária riqueza cultural que, verdade seja dita, era uma premissa das catedrais que desde sempre admirámos. Mas, para além disso, a aparente redundância e a complexidade da sua teologia preparou-nos para o salto da razão e para a explosão da linguagem abstracta. O conceito de Deus, em particular, permitiu a unidade totalizante e um sentido à própria lógica.

No universo, não já realmente antropomórfico, mas que tem a forma da nossa razão, é natural que se conceba a relação com Deus como um diálogo entre espíritos, onde uma razão infirme se compara com o seu avatar religioso.

 

terça-feira, 25 de junho de 2013

Sem título

Afurada

 

O FERROVIÁRIO DE ALAIN

(Michel Simon e Burt Lencaster)

 

"Alain emprestou um dia 'A República' de Platão a Cancouët (o ferroviário sindicalizado), que lhe disse: "Não compreendi nada, mas sinto-me completamente mudado!"

André Sernin ("Alain, un sage dans la cité")


Não sei se hei-de comparar este aparente absurdo com o modo paradoxal, mas observado universalmente, segundo o qual aprendem as crianças e os que chegam à linguagem, ou com tantos exemplos em que 'não se fica com a ideia', mas se sente a pujante beleza do que não podemos reproduzir por palavras nossas (esta é, pelo menos a forma mais exterior da compreensão).

As crianças repetem as palavras antes de compreenderem o seu significado e, evidentemente, antes de as poderem 'explicar' na sua própria linguagem.

O ferroviário de Alain não é capaz de dar uma ideia coerente da obra-prima grega. Falta-lhe, mais do que os rudimentos da filosofia culta, o vocabulário e a leitura na sua própria língua. Assim, se ficou impressionado, foi um pouco como o que acontece com o que começa a ouvir música 'erudita' e ela lhe agrada, sem ser capaz de a trautear sequer (o que é o caso do melómano mediano que é, no entanto, capaz de referir o que ouve à sua memória musical).

Mas há mais. Cancouët sente-se transformado pela grande esperança nele do filósofo. Repete-se aqui a história de Sócrates desviando o jovem escravo do seu caminho para demonstrar que o espírito da geometria está nele antes de qualquer distinção social.


 

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Sem título

 

Lage (José Ames)

 

O SR. SINCERO

Tony Blair

 

"Blair transmite um ar de profunda convicção, mas ninguém sabe bem no quê. Ele não é tanto sincero como Sincero."

(Tony Judt)


E há aqueles que brincam com tudo, com o ar de quem não acredita em nada. Só se traem quando se toca na sua fé profunda, se nos considerarem à altura de os inquietar. De resto, não é possível dimanar uma auréola de fé ininterrupta, sem isso se tornar uma máscara, porque a dúvida segue de muito perto a fé e, muitas vezes, coincide com ela.

Claro que a arte de Blair é indissociável da televisão. Mas a convicção ou a fé profundas não 'passam' na televisão, ao contrário do Sr. Convicto ou do Sr. Sincero, como diz Judt.

Já alguém disse que ninguém é grande para o seu criado de quarto. A política-espectáculo deixa o homem em cuecas logo que ele começa a representar. Infelizmente, nem toda a gente tem a ideia de desligar o som.

 

domingo, 23 de junho de 2013

Sem título

 
Balmoral (Escócia)

 

O OBSCURO

Heráclito de Éfeso

"O que é contrário é útil, e é do que está em luta que nasce a mais bela harmonia; tudo se faz pela discórdia."

Heráclito

O 'Obscuro', como era conhecido o Efesiano, não podia ir mais contra o senso comum. Porque, enfim, é a Concórdia que se quer que reine entre as nações, a união faz a força, etc., etc.

Mas se o que ele diz se aplica às ideias, então, não podia estar mais certo. A dialéctica, hegeliana ou não, prova isso mesmo.

Como fazer então com que o pensamento dividido e em luta contra si mesmo seja 'útil' e produza a 'mais bela harmonia' no mundo real em que os homens têm de viver?

A 'obscuridade', parece-me, estar no facto do filósofo apresentar 'a luta dos contrários' como algo que existe realmente. Na verdade, isso é apenas a consequência da debilidade do nosso pensamento que não representa as coisas abstractas ou naturalmente difíceis espontaneamente, mas por afirmação e contradição. Quanto a isso, não podemos estar certos de nada, só podemos tentar eliminar todas as objecções e chegar a uma espécie de consenso (que tem muito a ver com a consagração).

O que resulta desse debate é que pode ser útil e harmonioso.

 

sábado, 22 de junho de 2013

Sem título

(José Ames)

 

PENSAR EM GRUPO

http://www.enigmes.tv/2012/pensee-de-groupe/

 

A Teoria dos Jogos faz muito sentido e os estudos sobre ela já contam com um Prémio Nobel. Mas funciona melhor com os Econs (o homem definido pela economia, como foi crismado por Richard Thaler) do que com os humanos de carne e osso. Pessoalmente considero o pensamento em grupo uma aberração.

De facto, o que se passa é que a primeira boa ideia que alguém avance é, por inércia, adoptada por todos os outros. O grupo acaba por funcionar como uma espécie de júri, capaz de decidir por maioria, mas não de inventar o quer que seja.

A experiência de Thomas Shelling do plano para o parque de estacionamento de professores é sintomática. O facto de não ter ido à primeira reunião permitiu-lhe verificar que 20 das propostas a que tinha chegado sozinho não tinham sido pensadas pelo grupo, que se rendeu à primeira solução.

Simone Weil dizia que em colectivo nem uma operação de somar se consegue pensar.

A democracia que não cria uma elite intelectual está pois condenada à demagogia.

 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Sem título

Bérgamo

 

DYNAMIS

Phttp://larvalsubjects.wordpress.com

 

"O poder é o que mantém o domínio público, o espaço potencial que aparece na existência, entre homens que agem e que falam. A palavra mesma, o seu equivalente em Grego, 'dynamis',...indica o seu carácter potencial. O poder é sempre, como diríamos, um poder potencial e não uma entidade intermutável, mensurável e confiável como a força ou a resistência."
(Hanna Arendt)

Não conheço uma definição do poder tão clara e convincente, e, ao mesmo tempo, tão contrária à ideia que dele se tem nos tempos modernos.

De facto, prevalece incontestada nos espíritos a confusão entre a força (física, mecânica, mlitar, do 'aparelho de Estado') e o poder, na acepção que lhe é dada por Arendt.

A sentinela que vigia a nossa segurança durante o sono e a polícia que impede que o caos se instale na cidade, permitindo a acção e o discurso inerentes à política parecem, assim, ser meios para a existência do poder, que é a condição para haver um 'espaço público', não sendo eles, nem o próprio Estado, esse poder.

No entanto, este conceito tão 'feliz' e tão de acordo com a liberdade ateniense, ou com a utopia a que deu lugar durante séculos de admiração, é muito provável que se tenha tornado anacrónico, devido à história política e sobretudo técnica do controlo do espaço público. A primeira consequência dessa evolução é que, de facto, os meios dominam de tal modo o poder 'potencial' que, em muitos casos, trocaram de posições. São verdadeiros instrumentos da força.

Mas já não se trata, claro, da 'força' pessoal, mas de um sistema de forças, eternamente em desequilíbrio.

Quando vemos o que se está a passar no Brasil, não podemos deixar de pensar que a tecnologia está a dar outros usos à palavra para lá do 'espaço público', tal como o descreveu Hannah Arendt.

Novos actores entram fugazmente em cena para desaparecerem logo de seguida, o que parece mais um sobressalto do 'Grande Animal' de que fala Platão do que um qualquer ressurgimento da política. É que o 'Grande Animal' tem cada vez mais uma consciência corpuscular (ou crepuscular?) da sua própria força.

 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sem título

(José Ames)

 

FORA DOS GONZOS

Claude Imbert

 

"O verdadeiro, com efeito, distingue-se do bom - porque não tem qualquer função normativa; e distingue-se do belo - porque não admite nenhum grau."


Claude Imbert ("Introduction aux Écrits logiques et philosophiques de Frege")

 

Devia dizer-se então que o conhecimento científico, tanto quanto ele é gradual, não pertence ao domínio da verdade. E Karl Popper confirma-o, até certo ponto, ao reconhecer que ele se aproxima cada vez mais da verdade, sem nunca podermos dizer que é em absoluto verdadeiro.

A verdade não teria partes (como em 'isto em parte é verdadeiro') como não dependeria do tempo ('amanhã, poderei já não pensar assim'). E teria a melhor analogia no próprio ser humano, que é sempre diferente, a cada momento que passa (das suas células ao seu pensamento), mas, ao mesmo tempo, sempre o mesmo. A verdade do homem não é nenhum aspecto da mudança, nem o que ele quer ser, mas o que é, mudando. E isso é o que não podemos saber que seja.

Resta-nos a intuição disso, que é mais estética do que inteligível.

Sentimos, qualquer um pode sentir, por vezes, um acorde feliz entre aquilo que se chama, desde Platão, o Verdadeiro, o Bom e o Belo, em que a ciência parece certa, que a boa vontade prevalece e que a natureza e a arte fazem coro.

Tem de haver momentos assim, para o tempo que estamos a viver parecer 'fora dos gonzos' ('out of joint'), como diria o vate inglês.

 


 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Sem título

Porec (Croácia)

 

ORADORES

Cícero

 

"O que haverá, com efeito, de mais doce para uma alma livre, generosa e nascida para as nobres fruições, do que ver a sua casa incessantemente ocupada pela chegada de tantos homens do mais elevado estatuto e de saber que isso não é de modo nenhum devido à opulência, à expectativa de uma herança, a algum lugar importante, mas à própria pessoa que esta honra se dirige? Digo mais: os velhos sem herdeiros, os ricos, os poderosos, são os primeiros a vir a casa de um orador jovem e pobre para colocar o seu destino nas suas mãos."

"Diálogo dos Oradores" (Tácito)


A eloquência, o poder da palavra, já foram tão decisivos na política como hoje são as sondagens e a votação nas urnas. Não deixou de haver oradores, claro, mas ninguém vai já a sua casa à procura de belas máximas e de bons conselhos.

O parlamento é o moderno avatar do fórum, resultado da selecção entre os partidos. Nenhum orador tem a liberdade de pensar só pela sua cabeça. A 'linha' do partido, dos porta-vozes, dos chefes de bancada condiciona os melhores 'tenores'. O conformismo e a demarcação recíproca são de regra. Especialmente quando peroram para a televisão, rapidamente se tornam mestres no espectáculo. A realidade tem de partir os écrãs.

Pensando bem, a época dos oradores 'livres' era ainda devedora da cultura oral. Quem poderia hoje competir com a Crítica e a Ciência mesmo no domínio das ideias políticas? Bastava a televisão servir-se duma dessas muletas para arrasar a mais extraordinária das eloquências.

O orador antigo não sabia até que ponto era retórico e manipulador. Hoje sabemos, mas esquecemo-lo uma e outra vez, especialmente quando a Comunicação o esconde com tanta eficácia.



 

terça-feira, 18 de junho de 2013

Sem título

(José Ames)

 

ENQUADRAMENTO

 

"As nossas preferências são acerca de problemas enquadrados e as nossas intuições morais são acerca de descrições, não acerca da substância."

(Daniel Kahnemann, "Pensar depressa e devagar")


Temos, talvez, um reportório de problemas que fazem parte, por exemplo, da 'nossa' ideia de cidadania. É muito fácil que transitemos com esse mesmo reportório para um outro enquadramento sem ver nenhuma diferença.

Plutarco foi o mestre de muitos heróis que vieram depois dos seus modelos deixarem de corresponder aos novos problemas. Mas temos que começar pela imitação, como Marx disse a propósito da Revolução Francesa e das então apregoadas virtudes do povo romano.

A história da nossa vida é o modelo de todas as traições da 'tradução' a que a vontade de contar nos obriga. Nunca conseguiremos narrar a nossa vida, tal como a vivemos. O que resulta de uma biografia é arte, e a arte é auto-suficiente. Não é a ilusão da 'torre de marfim', porque nos escrevemos com tudo o que isso tem de social, a começar pela língua, nem é a ilusão oposta do 'realismo socialista', porque o fim da escrita está em si mesma.

Kahnemann opõe a descrição à substância, também no caso da moral. O caso é que o mais próximo de um princípio moral, ou de uma atmosfera de moralidade é a história de um modelo e de um enquadramento 'amovível'.