"A conclusão de Agostinho é a de que não é necessário deixar-se impressionar pela descrição do tabernáculo bíblico (como forma do cosmo) porque, sabe-se, as Sagradas Escrituras falam frequentemente por metáforas, e talvez a Terra seja esférica. Mas, uma vez que saber se é esférica, ou não, não serve para salvar a alma, pode-se ignorar a questão."
(Umberto Eco)
Poderia encontrar-se melhor exemplo do que nos separa da mentalidade antiga? Maior distância do que esta diferença de prioridades?
A ideia da salvação não se perdeu (e até foi 'recuperada' pela informática, por exemplo, com o 'guardar' - 'saving' - e o 'converter', como lembrou há tempos Tolentino), mas dir-se-ia que o que domina, culturalmente, são questões como a de saber se a Terra é ou não esférica. E, na verdade, sem essa questão resolvida não teríamos o mundo moderno.
Contudo, há uma imensa maioria (com menos influência cultural a curto e a médio prazo) que, podia dizer-se, observa o princípio de Agostinho: mesmo que as pessoas pudessem ser esclarecidas, o conhecimento daquele género não é, de facto, prioritário, pelo que toda a questão é, na prática, 'ignorada'.
O conceito do átomo (que nada tem a ver, na origem, com a ideia de hoje) atravessou milénios sem inquietar as almas. Foi, na verdade, ignorado (ou, melhor dito, não foi 'visto').
Vivemos ainda, como sempre, rodeados de 'átomos democratianos' que não vemos ( a ideia deles nem sequer existe). Continuamos, de uma maneira ou de outra, a preferir 'salvar-nos'.
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