"Playtime" (1967-Jacques Tati)
"Playtime" é a quintessência do cinema de Jacques Tati.
O homem, não perdido, mas esforçando-se, virtuosa e beatamente, por se adaptar às monstruosidades que ele próprio criou.
São os vidros em que a proximidade das ruas é afinal aparente, sem que se possa dispensar todo um teatro do isolamento. Os sofás cujo contorno se deforma e reforma produzindo sons inestéticos. O velho porteiro aproveita um ângulo morto nessa paranóia da visibilidade para fumar a sua beata, e Hulot, sem ser visto do importante que sapateia ao longo do corredor, é convidado a levantar-se só no último momento (o que pode ser uma astúcia de subalterno para evitar desagradar a quem teve de se deslocar).
Dos espaços aos materiais, o que está ausente em todo o lado é a natureza, com um ou outro ressurgimento do recalcado, como quando o porteiro pragueja contra os botões da recepção automática e sempre que Hulot se movimenta. Ele é uma espécie de ironia pernalta, que desarticula a eficiência do "design".
O seu segredo é por exemplo filmar o aeroporto de Paris dum ponto de vista extra-terrestre e sem sombra de psicologia. As cenas não podiam ser vistas nem por um turista, nem por uma hospedeira de bordo, mas só por alguém que estranhasse tudo e se divertisse com a azáfama humana.
Daí a predominância dos planos de conjunto, como na célebre cena dos escritórios alveolados. A privacidade das paredes é completamente devassada dum ponto mais alto, sendo ao mesmo tempo restaurada pelo anonimato do conjunto da colmeia.
Tati é um mestre nestes paradoxos do vidro e do espaço aberto.
Quase que não é preciso falar nos seus filmes (na linha de Buster Keaton), a não ser para se ouvirem frases próximas dos ruídos mecânicos. E o grupo de turistas americanas atravessa o filme como uma lagarta falante e quase camuflada no artifício.
Mas Tati é um optimista. O filme termina numa farândola enlouquecida e num feérico engarrafamento, a natureza triunfando sobre todas as esquadrias humanas.
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