"Tenho feito uma devassa aos meus velhos sonhos, no encalço de chaves e directrizes - e desde já se diga que rejeito por completo esse banal, mesquinho e sobretudo medievo universo de Freud, com o tortuoso inquérito que faz aos símbolos sexuais (um tanto como procurar acrósticos de Bacon nas obras de Shakespeare ) e a espreitadelazinha, com o seu quê de amargo e embrionário, que dá à vida amorosa dos pais para a despojar, depois, de toda a naturalidade."
"Fala, Memória" (Vladimir Nabokov)
Não me parece que Freud tenha inventado esse universo 'banal, mesquinho e sobretudo medievo', sendo verdade que criou a linguagem mais adaptada para o impor aos seus contemporâneos.
Tudo o que a nossa razão consegue é ser lógica consigo mesma, sem ter acesso a um outro tipo de verdade. É preciso entender que esta 'limitação' é suficiente para não dar 'com a cabeça nas paredes' (mas fica muito aquém dessa competência no caso das ideias doutrinárias, de resto, impecavelmente lógicas consigo mesmas, com que a economia, por exemplo, pretende 'regular' as nossas vidas).
O grande Segismund descobriu o novo sistema de que a sua época precisava para lidar com o sucessor do homem-máquina cartesiano (outro apogeu do racionalismo): o corpo. Ainda o corpo criado pelo cristianismo, mas com uma justificação 'científica', ou não-religiosa, para o 'pecado original' (desde o início, sexual, como o lembra a folha de parra).
A verdadeira 'peste' que o pai da psicanálise levou para a América, país devotamente puritano, foi, na realidade, a desculpabilização sexual. A 'ética protestante' continuou a ser economicamente eficiente, sem se prender com preconceitos bíblicos...
Conforme as teorias paradigmáticas de Foucault, parece que o que já se chamou de 'espírito do tempo' conduziu a mão que escreveu os célebres ensaios que deram lugar a todos os escândalos e às ambíguas libertações que se seguiram.
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