segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O ZANGÃO E A ORQUÍDEA


"Loth fuyant Sodome" (David)



"Mais perto da natureza ainda - e a multiplicidade destas comparações é ela própria tanto mais natural quanto um mesmo homem, se o examinarmos durante alguns minutos, parece sucessivamente um homem, um homem-pássaro, o macho e a fêmea, o macho procurando avançar, a fêmea - Jupien - não respondendo com qualquer sinal a essa manobra, mas olhando o seu novo amigo sem espanto, com uma fixidez desatenta, julgada sem dúvida mais perturbadora e a única com alguma utilidade, a partir do momento em que o macho dava os primeiros passos, e contentando-se em alisar as penas."

"Sodome et Gomorrhe" (Marcel Proust)


Proust considera inadequado o termo de homossexualidade (influência germânica do caso Eulenberg que, em 1908, os jornais trouxeram para a ribalta), preferindo o de inversão, que a citação acima de algum modo justifica.

A cena do encontro do barão com o alfaiate no pátio da duquesa tem por contraponto a célebre conjuntura da orquídea rara e do improvável zangão que lhe está destinado.

Sempre fiel ao ponto de vista exterior, quase marciano, o romancista não apresenta nenhuma conjectura sobre os motivos. Observa apenas homens e insectos com a mesma equanimidade.

A sua teoria dos homens-mulheres decorre da ideia dos "estados sucessivos" num mesmo indivíduo a que os hábitos sociais emprestam uma espécie de ordem e aos quais os estímulos adequados arrancam, como à harpa dependurada na árvore, os sons do vento.

E talvez esta ambivalência tenha origem no discurso de Aristófanes no "Banquete" e na espécie de ovo que reunia os dois sexos e dispunha de quatro mãos e de quatro pernas.

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