"(...) e como a "União das esquerdas" difere da "Federação socialista" e tal sociedade de música mendelsshoniana da Schola cantorum, certas noites, numa outra mesa, alguns extremistas que deixam passar um bracelete sob a manga, por vezes um colar na abertura do pescoço, forçam, pelos seus olhares insistentes, os seus risinhos, as suas gargalhadas, as carícias entre si, um bando de colegiais a fugir o mais rápido possível, e são servidos, com uma polidez sob a qual ferve a indignação, por um rapaz que, como nas noites em que serve dreyfusistas, gostaria de chamar a polícia, não tivesse vantagem em embolsar as gorjetas."
"Sodome et Gomorrhe" (Marcel Proust)
Com o quarto volume de "La Recherche", e logo desde as primeiras páginas, que relatam uma conjunção tão extraordinária como, para determinado espectador, a sobreposição dos astros, as escamas soltam-se dos olhos do narrador para dar lugar a um olhar "competente" sobre o semelhante e a uma revisão sistemática do passado.
O comportamento estranhíssimo de Charlus, o seu olhar louco (da primeira vez, tomou-o por um ladrão, tão grande era a atenção, mal disfarçada, com que o observava), a carícia subtilizada de foi objecto a sua orelha, como o gesto casual do homem que nos faz a barba, subitamente revelam-se cheios de significado, possuída a chave sexual.
Mas o desvio sexual é aqui menos função da cultura, que não joga quase nenhum papel, do que um tema das ciências naturais.
O insecto e a orquídea foram feitos um para o outro, como órgãos dum mesmo ser (reminiscência do andrógino de Aristófanes?).
Assim, é sem palavras, e como se reconhecessem o carácter milagroso da oportunidade, sem o normal protocolo dos amantes, que Charlus e Jupien biblicamente se conhecem.
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