sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

O VERMELHO E O NEGRO



"Stendhal escreveu que a bela Mathilde se aborrecia de esperança (s'ennuyait en espoir). Esta espécie de choque deixou-me primeiro aturdido de admiração. Isso soava verdadeiro. A personagem, assim coroada, entrava nesse baile: as alas abriam-se; o futuro abria-se; os olhos de Mathilde eram-me presentes: eu gostaria de lhe agradar; temeria agradar-lhe. Eis-me já quase a tocar todas as faltas que Julien há-de cometer."

"Propos de Littérature" (Alain)


A felicidade do romancista é aqui igualada pela qualidade do crítico. Alain continua: "admirai a força da expressão. Por meu decreto; vou, espero bem, aborrecer-me; conto com isso; jurei isso. Isso faz uma outra atitude, outros gestos, e uma majestade."

A Mathilde de "O Vermelho e o Negro" é uma jovem aristocrata, cheia de ideias de heroísmo romântico e do seu próprio valor. Não há como agradar-lhe porque ela jurou que nada era digno do seu amor.

É como se tivesse sobrevivido a si mesma a si mesma e já não pudesse esperar surpresas da vida.

No palácio do marquês de La Mole, esse fruto do preconceito e da cerimónia encontra o seu húmus artificial.

O que nos surpreende é que a natureza e o temperamento tenham sido vencidos assim, numa pessoa tão jovem. Mas não fazemos ideia, nos nossos dias, da força da educação.

A esperança de Mathilde é negativa. Não cumpre nenhum desejo, nenhuma aspiração. Ela vivia noutro século (o do seu antepassado Boniface de La Mole) e "sabia" que o passado não volta.

Por isso, só o imaginativo heroísmo de Julien a fará duvidar de si mesma.

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