domingo, 24 de fevereiro de 2008

TRABALHAR SEM REDE



A precariedade, aplicada ao mundo do trabalho, é uma daquelas palavras carregadas de um significado moral que, numa sociedade pacificada, parecem estar condenadas à nascença, por sugerirem uma punição ou um destino injusto.

Foi certamente por isso que os peritos nestas questões de forma, tão importantes para se evitarem desnecessários conflitos, inventaram uma palavra equivalente, mas suficientemente abstracta: a flexisegurança. É a precariedade com rede prometida.

Sei de dirigentes sindicais que dizem, alto e bom som, que os contratos a prazo são um acto de gestão das empresas. E por aí se ficam.

Outros, mais responsáveis, combatem-nos à luz duma alegada ilegalidade que, naturalmente, não existe para os perpetradores. Mas, sendo a tendência política a de se adaptar a lei à prática, os abusos deixarão de o ser, tornando-se este em mais um caso em que o sentimento de injustiça é abandonado pelo direito.

Tão importante como isso é o facto da acção desses sindicatos não ser desejada pelas vítimas do sistema, que preferem colaborar em falsos contratos a termo ou na renovação, para além do devido, de contratos em que às vezes só muda o nome da empresa de outsourcing, para terem trabalho em vez de caírem no desemprego.

E aqui talvez pareça a alguns que esta é uma luta inglória para pôr ordem numa situação em que a anarquia é o menor dos males.

O problema é que esta é uma falsa solução de mercado, e os políticos que a favorecem demonstram apenas estreiteza de visão. Porque é só porque não se contabilizam todos os custos, sociais e económicos, desta anarquia, devendo ser-nos presente, num futuro mais ou menos próximo, a respectiva factura, que este sistema parece viável e funcionar, tant bien que mal, com os protestos do costume e o medo ou a apatia das suas vítimas.

Por isso um grande investimento deveria ser feito no cálculo dos efeitos a prazo desta prática e desta política, através dum estudo credível.

Por outro lado, é certo que, em teoria, a solução de mercado para os contratos a prazo poderia ser "flexibilizar" todos os contratos sem termo certo, sobretudo, no capítulo dos despedimentos.

É esse o desiderato dos ideólogos. Mas o mercado puro é uma ficção, mesmo nos países que se arrogam de campeões do liberalismo.

E a anarquia deverá manter-se enquanto houver mais buracos do que rede. Os nossos trabalhadores gostam tão pouco do risco como aqueles que os empregam, mas têm mais razões para isso.

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