sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

AS MANEIRAS



A boa educação não consiste em saber o que fazer após exame. Deve ser uma segunda natureza que nos evita o permanente corrigir dos nossos movimentos. Porque é o reflexo que nos põe numa situação difícil de que só se sai com esforço e incómodo para os outros. Começar mal é a verdadeira causa da timidez e da brusquidão. O primeiro gesto obriga aos seguintes e o resultado é um carácter cheio de surpresas, conforme é a falta de prevenção e os maus hábitos ou a vontade que dominam.

Reconheço todo o seu valor a uma cortesia sem pensamento e sem medo de cair. Tal é o fruto da sociedade prolongada com os homens. Em vez disso, quem tem de recorrer à ideia do bom comportamento já vai tarde para a maior parte dos encontros. É onde se vê com toda a clareza que a acção nunca é realmente pensada. Volta-se atrás, remexe-se a ferida, mas se olharmos à nossa volta, o mundo já é outro. Mas não posso recuar sobre os meus passos. Foi o selvagem que decidiu sem me perguntar nada. Se quisesse reparar o erro teria de me forçar e fazer uma manobra deselegante. A vontade quando se vê nestas ocasiões ofende. Daí o preço inestimável de saber-se o que fazer sem mesmo pensar. Ora isso é uma aquisição dos verdes anos, como o corpo do atleta. Por muito que se reflicta sobre estas coisas, calculamos sempre mal o salto.

Talvez que hoje se beba, nas mais diversas circunstâncias, para desarmar a sentinela e deixar que a natureza não tenha que se julgar. Caíram em desuso algumas instituições, como o salão burguês, onde se formava e punha à prova a arte das maneiras. A mundanidade do álcool tem maior rendimento social, e está à medida duma cultura que preza o determinismo exterior e a produtividade económica. Diz-se quebrar o gelo e bem. Porque o homem educado pela família pequeno-burguesa e pela horda adolescente não pode deixar de sentir medo diante das outras espécies. A sua tendência é evitar esse contacto desagradável que julga o seu modo de ser. É um homem transido pela consciência do outro. Mas é verdade que a melhor educação não apaga as diferenças de temperamento. Há uma arte da preparação como se vê na obra-prima de Tolstoi, quando a muito experiente Ana Pavlova resolve o problema de mostrar a carta à mãe de Nikolai, sem alarmar demasiado os seus nervos frágeis.

Mas há um vício da cortesia que se encontra bem retratada no príncipe Vassily do mesmo romance. A sua falta de carácter é sem dúvida em muito explicada pelo cuidado de não pensar e de ser agradável a toda a gente.

O homem que pensa deve fugir da corte e do salão. Assim, também existe o selvagem por escolha.

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