A guilhotina
"No Templo, ei-lo justamente como um verdadeiro rei deveria ser, em comunicação com todos, comendo, lendo e dormindo diante de todos; comensal por assim dizer, e camarada do negociante, do trabalhador. Ei-lo, o rei culpado, que aparece à multidão naquilo que tem de inocente, de comovedor, de respeitável. É um homem, um pai de família; tudo foi esquecido. A natureza e a piedade desarmaram a justiça."
"História da Revolução Francesa" (Jules Michelet)
Luís XVI, apesar de toda esta humanidade, que tocou todos quantos puderam com ele contactar enquanto esteve prisioneiro, caminhou para a guilhotina com a convicção de ser o que era (um rei apanhado pela História como o seu predecessor da Casa dos Stuart) e religiosamente estimulado. Bebia "o cálice até às fezes".
Michelet demonstra não ter compreendido o homem ao acusá-lo de morrer sem admitir os seus "crimes" contra a Revolução e de se sentir ainda rei, quando tantos queriam ver nele menos do que um homem, nem rei, nem cidadão e que, por isso, deveria ser julgado como monstro. Tínhamos de esperar pelo século XX para ver uma vítima assumir o "juízo da História".
Nesse espírito, o grande historiador imagina o que deveria ser um verdadeiro rei. Com a mais desarmante das ingenuidades, descreve-nos não o futuro rei constitucional ou o rei-medalhão das monarquias modernas, mas o rei camarada, igual a todos os homens, mas preso ao sortilégio de ter de ouvir todos e de a todos falar e de viver prisioneiro numa montra de virtude e simplicidade.
0 comentários:
Enviar um comentário