"Deus não dá olhos a quem vive no escuro, eis uma sentença que até poderia ser motivo de reflexão."
(Gonçalo Tavares)
De facto, os que vivem no escuro não precisam de olhos. E nós, humanos, vivemos numa claridade que nos ofusca. Temos olhos para essa ofuscação, mas não para passar sem ela.
Quando o oculista experimenta as nossas novas lentes pergunta: 'e agora vê melhor ou pior?' Entende-se que não é para vermos o mundo microscópico ou o cosmos, mas para vermos a nossa 'distância média' (Musil). Não temos lentes para o resto, para o incomensurável resto. Não 'nos foram dados' olhos para isso, nem tampouco precisamos deles, a não ser alguns especialistas que utilizam lentes mais sofisticadas. Mesmo assim, não se pode dizer que estes nos podem proporcionar, através dos seus instrumentos, o quer que seja para além da nossa ofuscação.
Como se sabe, Kant tirou as consequências éticas desta limitação, considerando que, realmente, se não podemos conhecer a transcendência, ou o sol platónico, essa não é uma razão para não nos governarmos, porque a vida da espécie depende disso, e a vida está para além (ou aquém) da transcendência e do mundo fenomenológico. Na verdade, a vida nem sequer é um valor porque não é comparável a nada. Não consente nenhuma escala.
Os sinais de alerta para mais uma situação perigosa (agora, o desfecho das eleições americanas e o que já mudou, entretanto) é mais uma prova de quão entrevada é a nossa clarividência. E de como a nossa ficção política está em vias de nos explodir na cara.
0 comentários:
Enviar um comentário