terça-feira, 29 de novembro de 2016

MESLIER


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"Em 1729, Jean  Meslier,  um padre paroquiano exemplar, morreu cansado da vida, deixando as suas magras posses aos seus paroquianos. Entre os seus papéis, estes descobriram o manuscrito da sua 'Mémoire' na qual declarava que a Cristandade era um embuste."

"The case for God" (Karen Armstrong)

Esta é uma história que John Le Carré gostaria, talvez, de ter escrito. Mas Meslier não era um agente duplo. Ter-se-á traído, isso sim, pelo gesto de deixar aos paroquianos o seu manuscrito, mandando para o Diabo todas as consequências. Não estávamos, porém, na era da comunicação global e das redes sociais.


O caso remete-nos, assim, para o homem que foi capaz de exercer exemplarmente o seu múnus e morrer de velho sem que o que realmente pensava afectasse a imagem que apresentara para o exterior. Era, pois, uma espécie de funcionário da Igreja que cumprira, com mérito, os deveres associados à sua função. Tal como o melhor espião é aquele que sabe esconder-se atrás do zelo faccionário.

Aqui só a psicologia pode ajudar-nos. O 'bom' padre na realidade não servia outros interesses ( a não ser os abstractos ligados ao ateísmo em que foi, segundo alguns, um percursor) nem teve que comprometer a sua honra. Achou, suponho, que era indiferente que ele ou outro 'servissem' uma religião que, apesar de aos seus olhos ser, no melhor dos casos, uma superstição, era uma espécie de fatalidade, sendo os homens o que são.

Antes dos Enciclopedistas e do Iluminismo, antes da Revolução, este juízo, não era necessariamente má-fé, nem a sua conduta hipócrita, para um pároco de aldeia não bernanosiano. E se alegarmos o seu ateísmo militante (a título póstumo), presente na célebre frase: "O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre", não fica provado que fosse desonesto, quando muito poderia ter sido fraco, o que é outra coisa. Como foram fracos quase todos os que obedecem ou obedeceram a uma ditadura.

Quanto às ideias 'pré-revolucionárias' de Meslier sobre o Cristianismo, só podemos achá-las ingénuas e confrangedoramente do seu tempo.


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