"Alexandre Herculano, que colaborou com Saldanha no golpe de 1851 e depois se zangou com ele, fez a teoria da Regeneração. A causa de todos os conflitos estava, segundo ele, em Portugal ser um país pobre. Muitos dos políticos, sem fortuna pessoal, dependiam dos cargos públicos, o que só tornava mais desesperada a sua luta pelo poder. Maior riqueza criaria lugar para todos. Uma boa administração, dedicada ao 'fomento material', resolveria tudo."
"História de Portugal" (coordenada por Rui Ramos, em co-autoria com Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro)
Como se vê, para Herculano, a pobreza do país não era uma fatalidade. Bastaria, diríamos nós hoje, que o desenvolvimento económico fosse a principal preocupação dos governos. Ele não diz governos, diz administração, o que pressupõe um regime em que os partidos estivessem focados nesse objectivo, o que é tarefa quase impossível, porquanto existem doutrinas e interpretações diferentes para o 'fomento material', para não falar do lastro aparelhístico e da competição pelo poder. Contudo, já experimentámos a ditadura militar e ideológica, com os resultados que se sabem.
Para além disso, e é talvez o mais importante, o pequeno país, mais ou menos isolado da 'civilização', que éramos na altura, é hoje uma malha de uma enorme rede internacional, e não há fio que se puxe sem resistência de interesses que, à primeira vista, não são os nossos, mas que se ligam com eles.
A nossa idiossincrasia, enquanto povo, nestas circunstâncias, está valorizada para além da medida. Não somos melhores nem piores do que os outros. E se fosse verdade o adágio de outros tempos 'pobrete, mas alegrete', estaríamos bem melhor do que outros.
O problema é que o 'alegrete' nos tempos que correm é sinónimo de alienação e de cretinice. As desigualdades que nunca deixaram de existir consideram-se, já não a vontade de Deus, mas a vontade de alguns homens. A ideia da Revolução estava, pois, na ordem das coisas virtualmente necessárias. Mas o fracasso da Revolução na Terra verificou-se ao mesmo tempo que um outro tipo de consenso pouco a pouco se impunha: o da comunicação instantânea e do simulacro da participação 'para além do voto'.
A Dívida é uma grilheta que arrastamos durante séculos e que tolhe os nossos movimentos, como está bom de ver. Mas nunca saberemos se, no caso de nos livrarmos dela, também nos livraríamos da pobreza de que falava Herculano, porque isso não depende só de nós.
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