sexta-feira, 18 de novembro de 2016

MÁQUINAS SOCIAIS



"Segundo os termos desta lei (a Lei das Doze Tábuas), os que fossem condenados por 'perduellio' (alta traição) eram  enforcados na 'arbor infelix' (uma árvore tida por desgraçada), ou atirados da Rocha Tarpeia. As suas famílias não podiam chorá-los e as suas casas eram arrasadas."
(Paul Veyne)

Passar segredos de Estado ao inimigo, no tempo da Antiga Roma, era muito mais grave do que a espionagem moderna que os romances de Le Carré tão bem comentam. O cinema também não existia para levar o espectador à empatia através da encenação ou do talento dos actores. O teatro de então permitia-se a sátira e a comédia mas no sentido do cinismo que endeusava os imperadores e acolhia os deuses estrangeiros.

A insidiosa 'dissolução dos costumes' e a decadência que se seguiu foram a consequência dessa mesma grandeza (no sentido espacial) que marcou a importância de Roma na história do Ocidente.

A simplicidade é uma virtude que não se pode conservar por muito tempo. O castigo da Rocha Tarpeia, quem o defenderia hoje, com a 'alta traição' de devassar um 'email' e de o publicar na rede tornada quase inevitável? Foi esse o crime de Snowden?

A simplicidade da República romana perdeu-se para sempre. O primarismo de alguns líderes mundiais da opinião e da política é, na verdade, um fenómeno complexo e não-pessoal. Não caracteriza, realmente, os indivíduos 'primários', mas as máquinas sociais de que fazem parte.

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