Há um quadro de Leonardo da Vinci que mostra bem a liberdade que um artista com a sua fama se podia permitir, mesmo perante um rei tão poderoso como Francisco I, que lho encomendou.
O João Baptista não lhe interessava como tema religioso, nem ele era suficientemente humilde para se apagar por detrás de uma tradição.
Enquanto a sua representação da virgem se mantém no domínio de uma feminilidade e de uma maternidade intemporais, este varão, percursor do Cristo e que se alimentava dos gafanhotos do deserto, muda flagrantemente de sexo, a ponto de causar escândalo, e dos seus atributos (a cruz que se transforma em tirso e os rins passando a cobrir-se duma pele de leopardo) terem que ser mudados para dizer "a cara com a careta".
João reaparece como Baco, numa Arcádia que já o era, muito mais do que deserto. De perna traçada, à beira do caminho, não anuncia nada, a não ser a sua graça feminil. E aquele indicador apontado para O que vinha a seguir e a intensidade do olhar que acompanha esse gesto parecem, na verdade, convidar o passante para uma aventura equívoca.
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