terça-feira, 22 de novembro de 2016

A PERSONAGEM


(Drawing by Hans Olde from the photographic series, The Ill Nietzsche, late-1899)


"Overbeck  teve a impressão de que a loucura de Nietzsche era uma simulação. Impressão que sempre me deu um demente qualquer. O amor é talvez assim. Por metade, uma simulação."

"Cahiers III" (Albert Camus)

Devem existir tantos tipos de loucura quantas as personalidades. Ou pode pensar-se, como na teologia, que o Bem é único e o Mal é legião? Mas creio que neste caso, é mais ao contrário, com os loucos sob um grande chapéu, que vai da cretinice à esquizofrenia, e os 'normais' com a pletora de uma diferenciação sem fim, porque é assim que o mercado responde à armadilha da desigualdade extrema.

A simulação pressupõe a arte teatral. A falta de consistência da personalidade pode levar ao efeito Zelig (o genial filme de Woody Allen). O 'actor' desdobra-se em vários papéis sem um centro interpretativo. No limite, Zelig nem sequer chega a fingir.

Camus fala-nos de um outro tipo de louco, que está bem repartido entre os 'normais'. É, por exemplo, quando se diz que certa personagem pública se toma por ela própria, do género: "Napoleão era um louco que se tomava por Napoleão". E aqui temos de admitir que o corso feito imperador não teria podido levar a sua por diante sem simular que era, como dizem os americanos, 'bigger than life'.

Parece que Nietzsche tinha momentos de 'lucidez'. Era, então,  realmente, um homem caído nos abismos inacessíveis à razão humana, emergindo por momentos ao mundo dos homens, ou simularia ser Friedrich Nietzsche?

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