"(...) o que há de deplorável nas teorias modernas do comportamento não é que sejam falsas, é que se podem tornar verdadeiras, é que são, de facto, a melhor conceptualização possível de certas tendências evidentes da sociedade moderna."
(Hannah Arendt)
Não precisamos de imaginar o que é a multiplicação da 'doxa' e a sua creditação pelo número nas redes sociais, contaminando todos os 'media'. Acabamos de as ver em grande escala nas presidenciais americanas.
Não chega a ser uma teoria. É um simulacro da 'vontade eleitoral' que é bem pior. Esse povo que se revela no Twitter e no Facebook nada tem a ver com a 'atomização' da sociedade individualista que alguns ainda temem. É o princípio da 'desestruturação' política e social do Povo que substituiu o Deus das monarquias na legitimação da sociedade democrática.
Os Dicionários Oxford escolheram 'pós-verdade', cujo uso se acentuou no contexto do Brexit e da eleição de Trump, como a palavra do ano. Diz a notícia do 'Guardian': "(a palavra) é definida pelo dicionário como um adjectivo 'relacionado ou denotando circunstâncias nas quais os factos objectivos têm menos influência na conformação da opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal."
Mas parece-me que isto não é o mesmo que desprezar conscientemente os factos. É fechar-se a qualquer demonstração contrária à paixão política. Infelizmente, a formulação do Dicionário implica que para o eleitor enviesado se pode passar por cima da verdade. Não é isso.
De qualquer modo, o que ressalta desta situação é que estamos a regressar ao ambiente dos comícios da Roma Antiga, em que a opinião 'popular' era manipulada por alguns grupos quando não era simplesmente mercenária.
As redes sociais têm agora o mesmo privilégio comicieiro que a plebe de Roma tinha sobre a população de Itália e das províncias do império.
O 'pós-verdade' é como o regresso do 'Grande Animal' platónico ao trono do Povo Soberano.
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