"A partir do momento em que duram, perdem a sua autenticidade. Se se quiserem manter, é preciso que renasçam constantemente, e mesmo então tornam-se outros. Uma cólera que se mantivesse cinco dias já não seria uma cólera, mas uma perturbação mental: ela transforma-se em perdão ou em vingança, e todos os sentimentos sofrem uma evolução análoga."
Robert Musil ("O Homem Sem Qualidades")
Mesmo o 'espinho na carne' se torna outra coisa e uma prova de vida. Lê-se em alguns romances que o ódio chega para manter uma pessoa viva, pelo mesmo processo que o avarento vive só pelo e para o seu 'tesouro na terra'.
Mas se existem ódios e amores contra-natura como esses que vão para além do perdão e da vingança ou do 'valor de troca', quando duram, que relação têm ainda com a sua primeira causa?
A cumplicidade do primeiro-ministro com um homem que todos os comentadores reconhecem ser uma das principais causas de desgaste do governo, já foi considerada fidelidade de amigo. Enfim, um político que põe um valor estimável acima da política.
Certamente não seria gesto que devesse ser limitado aos 'cinco dias' que, segundo Musil, transforma a cólera em doença mental, mas o problema é que, à medida que se escava a história dessa relação, a amizade é substituída por uma coisa muito mais prosaica.
Conforme a 'lei' da mudança dos sentimentos acima enunciada, a insistência do chefe do governo em conservar o seu Ministro-Adjunto estará destinada a deixar de ser cumplicidade para passar a ser, talvez, o sinal dum homem com princípios...autocráticos.
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