"O triunfo da morte" (1562-Pieter Bruegel ) |
"Centenas de mortos sob a forma de esqueletos, esqueletos muito activos, ocupam-se a puxar para si outros tantos vivos. São personagens de toda a espécie, tomados em conjunto e em detalhe, reconhecíveis no seu estatuto social, no momento dum grande esforço e cuja energia ultrapassa em muito a dos vivos para os quais se voltam. Sabe-se, aliás, que vão ter êxito na sua empresa, mas ainda não o conseguiram. Estamos do lado dos vivos, dos quais gostaríamos de reforçar o poder de resistência, mas ficamos perturbados porque os mortos parecem mais vivos do que eles. A vitalidade dos mortos, se se pode chamar assim, só tem um objectivo: atrair a si os vivos. Eles não se dispersam, não se dedicam a isto e a seguir àquilo, há só uma coisa que eles querem, enquanto que os vivos estão agarrados à sua existência de tantas maneiras diferentes. Cada um obstina-se sobre alguma coisa, ninguém se rende, não encontrei neste quadro nenhum vivo cansado da vida, é preciso arrancar cada um para o arrastar para aquilo a que não se quer submeter. Eu herdei deles essa energia na defesa e muitas vezes depois tive o sentimento que eu era toda essa gente em conjunto que resistia à morte."
Elias Canetti ("Le Flambeau dans l'oreille")
A força que Canetti retirou deste quadro célebre é o que é mais natural e próprio dum homem saudável. Mas se ali se anuncia o fracasso, donde vem o suplemento de força?
Mozart, numa das suas cartas, trata a morte como "esta amiga dos homens" e está pronto para a sua vinda, mas ele está já sob o efeito duma premonição e toda a sua vida teve uma saúde frágil.
O tema do quadro é a derrota da vida, porque os mortos são em muito maior número e têm na imaginação dos vivos o seu melhor aliado.
Todas as classes sociais são vítimas desta cruzada, do rei que vemos estendido por terra, em primeiro plano, ao mais humilde dos seus súbditos.
Podia parecer, no entanto, que o século XVI tinha mais razões do que os modernos para acreditar na ressurreição.
E eis porque esta pintura é para mim uma parábola do homem sem fé, entregue a si próprio, condenado a não ser mais do que uma ruína adiada. O triunfo dos esqueletos seria a consequência dum mundo sem Deus.
O pintor dos camponeses e da multidão pagã não sai, assim, do seu tema predilecto.
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