Aqui está o contrário da 'indústria dos sonhos' (embora o sonho também esteja lá, trazido pela música ou pelo desejo). 'Amour' fala duma experiência quase banal, por ser ou vir a ser partilhada quase por toda a gente, mas que é geralmente silenciada por se confrontar com a ideia duma felicidade funcional, sem lugar para coisas como o envelhecimento e a morte.
Michael Haneke fala-nos do amor e nem uma só vez o casal de anciões Georges e Anne (Jean-Louis Trintignant e Émmanuelle Riva, inexcedíveis actores) pronuncia um 'je t'aime'. São dois seres que se conhecem profundamente e em cuja relação jogam tudo o que são, com humor, ternura e bondade, mas também teimosia e, às vezes, violência.
Mas o que melhor define este amor é o desgraçado desamor de Eva, a filha (Isabelle Huppert) que ronda o leito da mãe moribunda com o olho no apartamento que a salvará do aperto financeiro. As suas censuras ao pai são apenas a premissa da sua vontade de lhes abreviar a vida e de abafar os esforços do amor, como se o genitor devesse ser poupado a isso, porque aquilo já não era para a idade dele. É isso que ela entende por falar seriamente, mas o velho não se deixa iludir.
Era preciso que conhecêssemos essa incapacidade de amar, para dar todo o valor à cena, no final, em que ela 'toma posse' do apartamento vazio, numa solidão absoluta.
O filme não começa, por isso, pelo fim, mas um pouco antes do fim, pela irrupção dos bombeiros que arrombam a porta para encontrar Anne 'posta em sossego' (depois do acto de piedade que lembra o de 'Million dollar baby') e, sem dúvida o corpo, que não chegamos a ver, de Georges que depois de isolar as portas e janelas abriu o gás para sair pela última vez com Anne.
P.S. Num trabalho tão exímio e tão sensível, aquela passagem de 'landscapes' antes duma das visitas de Eva e quando Georges lia o jornal, permanece um hieróglifo aberto a todas as interpretações.
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