sábado, 23 de junho de 2012

A TOMADA DO PODER

"La prise du pouvoir par Louis XIV"


"La prise du pouvoir par Louis XIV" (1966, Roberto Rossellini) é uma bela tese sobre o poder. Na sua forma abrupta, faz lembrar os relatos da antropologia sobre os chefes tribais "condenados" a engordar na sua cadeira.

Louis, aos 22 anos, quando morre Mazzarino (o seu "único amigo"), rapidamente larga a sua pele de jovem libertino ( o intendente, inimigo de Colbert, e o homem mais rico do reino, com pretensões a suceder ao cardeal, não acreditava na metamorfose), para se tornar na incarnação do Estado. A frase que lhe é atribuída ("L'État c'est moi") é, de facto, a legenda desta história de 'tomada do poder'.

A Fronda é o fantasma sempre presente da divisão do poder e da fraqueza do Estado. Depois de mandar D'Artagnan prender o intendente Fouquet à saída do conselho reunido em Nantes (a sua província), Louis dedica-se a "castrar" financeiramente a nobreza de França, transferindo a corte para Versalhes e ali alojando, a expensas do Estado, cerca de 13000 cortesãos. Além disso, como um novo Petrónio, árbitro da moda, impõe o uso das vestimentas mais caras e mais espalhatosas. Como confidencia a Colbert, um fato como esses facilmente custará o rendimento de um ano a muitos nobres.

Mas o homem que se lançou nessa revolução dos costumes, "para glória da França" é, na verdade um pobre prisioneiro. Muito mais do que os seus antecessores que não tinham direito a qualquer privacidade, tal como hoje a entendemos, o seu papel de Sol metafórico (cada súbdito devia retirar do poder absoluto do rei a sua parte de prestígio), impunha-lhe uma ditadura de formalismos tão arrevesados como a de refeições de 14 pratos para uma plateia devota (não admira que tivesse acabado nas mãos dos médicos) ou o trouxão de laços e rendas e a respectiva peruca com que estabelecia o "padrão-ouro" da lisonja.

É no fim que percebemos que esse títere duma ideia do poder absoluto anseia por se libertar da falsa cabeleira e do peso da sua personagem política para voltar a ser homem um momento, como um molusco saído da casca para apanhar um escasso raio de sol.

E o que convém a essa alma, senão um pensamento sobre a superioridade, para além de todas as diferenças do berço ou de quaisquer outras, sobre uma grandeza a que só muito poucos podem aspirar?

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