"La prise du pouvoir par Louis XIV" |
"La prise du pouvoir par Louis XIV" (1966,
Roberto Rossellini) é uma bela tese sobre o poder. Na sua forma abrupta, faz
lembrar os relatos da antropologia sobre os chefes tribais
"condenados" a engordar na sua cadeira.
Louis, aos 22 anos, quando morre Mazzarino (o seu "único amigo"), rapidamente larga a sua pele de jovem libertino ( o
intendente, inimigo de Colbert, e o homem mais rico do reino, com pretensões a
suceder ao cardeal, não acreditava na metamorfose), para se tornar na
incarnação do Estado. A frase que lhe é atribuída ("L'État c'est
moi") é, de facto, a legenda desta história de 'tomada do poder'.
A Fronda é o fantasma sempre presente da divisão do poder
e da fraqueza do Estado. Depois de mandar D'Artagnan prender o intendente
Fouquet à saída do conselho reunido em Nantes (a sua província), Louis dedica-se
a "castrar" financeiramente a nobreza de França, transferindo a corte
para Versalhes e ali alojando, a expensas do Estado, cerca de 13000 cortesãos.
Além disso, como um novo Petrónio, árbitro da moda, impõe o uso das vestimentas
mais caras e mais espalhatosas. Como confidencia a Colbert, um fato como esses
facilmente custará o rendimento de um ano a muitos nobres.
Mas o homem que se lançou nessa revolução dos costumes,
"para glória da França" é, na verdade um pobre prisioneiro. Muito
mais do que os seus antecessores que não tinham direito a qualquer privacidade,
tal como hoje a entendemos, o seu papel de Sol metafórico (cada súbdito devia
retirar do poder absoluto do rei a sua parte de prestígio), impunha-lhe uma
ditadura de formalismos tão arrevesados como a de refeições de 14 pratos para
uma plateia devota (não admira que tivesse acabado nas mãos dos médicos) ou o
trouxão de laços e rendas e a respectiva peruca com que estabelecia o
"padrão-ouro" da lisonja.
É no fim que percebemos que esse títere duma ideia do
poder absoluto anseia por se libertar da falsa cabeleira e do peso da sua
personagem política para voltar a ser homem um momento, como um molusco saído
da casca para apanhar um escasso raio de sol.
E o que convém a essa alma, senão um pensamento sobre a
superioridade, para além de todas as diferenças do berço ou de quaisquer outras, sobre uma grandeza a que só muito poucos podem aspirar?
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