domingo, 24 de junho de 2012

A HIDRA DOS MIL ÉCRÃS


Hércules e a hidra de Lerna




“Clementine e Leon eram vítimas do preconceito que queria que eles dependessem um do outro pelas suas paixões, os seus caracteres, os seus destinos e as suas acções. Na realidade, em mais de metade, a existência é feita naturalmente não de acções, mas de dissertações, das quais se assimila o ponto de vista, opiniões e contra-opiniões correspondentes, enfim, do amontoado impessoal de tudo o que se sabe que se ouviu.”
 
(Robert Musil – “O homem sem qualidades”) 




Como parece longe este pensamento de Musil do diagnóstico que as pessoas (os casais) fazem da sua infelicidade!

Em vez disso, pensarão que são as suas paixões e o carácter o nó do problema, e que mesmo se se considerar que os homens agem muito menos do que aquilo que julgam (antes reagem ou são coagidos), nunca ao sedimento das opiniões é dada uma importância tão grande.

Mas, olhando bem, se o amor não pode alhear-se do mundo por muito tempo, ele têm de respirar o ar do caos e da confusão das ideias que pairam à nossa volta, e daí não podem receber nenhuma consolidação dos alicerces.

Eros era suprido pela crença na tradição. Mas hoje apenas a Opinião, espécie de hidra dos mil écrãs parece suceder-lhe.

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