quarta-feira, 6 de junho de 2012

A FERA NA SELVA



"Marcher só podia sentir que lhe deveria ter prestado um serviço de qualquer espécie - tê-la salvo de um barco virado na baía ou pelo menos ter recuperado a sua carteira roubada da sua tipoia nas ruas de Nápoles por um 'lazzarone' com um punhal. Ou teria sido bom que ele tivesse ficado com febre sozinho no hotel, e ela tivesse podido cuidar dele, escrever à sua família e levá-lo a sair na convalescência."

"The beast in the jungle" (Henry James)




Os dois encontravam-se muitos anos depois com o sentimento de terem falhado, inexplicavelmente, uma primeira oportunidade. Mas nada de importante parecia ter-se passado (pelo menos para ele) nesse encontro entre os dois no estrangeiro. A não ser a importância que ela lhe tinha dado e que continuou a dar até ao fim, sempre à espera que ele "compreendesse".

Mas Marcher precisava de algo mais do que um vago interesse. Precisava de se sentir enleado numa trama romântica (a da sua imaginação) que significasse, sem sombra de dúvidas, o amor e que o intimasse a desafiar o segredo de May Bartram, que ela nunca revelou até morrer.

O passado não era problemático para ele, só a memória nela, do sentimento, mais do que dos factos, o colocava naquela posição cega.

Sabemos que a 'visão' só lhe foi permitida depois dela morrer, e foi quando o tigre saltou.

O tempo expirado transformou a sua 'estupidez' em dor genuína. E foi a dádiva póstuma de May Bartram: uma raiz, enfim, no seu estar no mundo, sem estar.

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