"O meu pensamento tem uma relação com a teologia
como a dum mata-borrão com a tinta. Está saturado de tinta. Contudo, se
fôssemos pelo mata-borrão, nada do que foi escrito permaneceria."
(Walter Benjamin)
A censura ( a da ética ou a da polícia ) é um tal
"mata-borrão", tendencialmente contra a própria escrita.
A mudança em nós actua também da mesma maneira. Cada
pensamento deitado no "papel" é uma repetição da história de Niobe
que se gabava dos seus sete filhos e sete filhas diante de Leto, a mãe de Apolo
e Artemisa, e que viu tombar toda a sua
prole sob as setas dos Letoides. O olhar que relê é impiedoso como o dos gémeos
e insaciável como o mata-borrão.
Por isso, a
maioria dos autores esquece a "tinta" já gasta para poder continuar a
escrever.
A confissão de Benjamin equivale a dizer que nada do que
se pode dizer da teologia é "pertinente". E tudo o que já se disse
sobre ela faz uma grande clareira, ou um grande jardim, cercado de altos muros,
no meio do qual está o vazio. Como o palácio do imperador no centro de Tóquio
(Barthes).
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