"Alguns dos seus vizinhos trocaram olhares, e um deles - uma dessas pessoas mal-educadas que sempre encontramos no estrangeiro - inclinou-se para a frente sobre a mesa e de facto intrometeu-se na discussão. Disse: 'Eu tenho uma vista, eu tenho uma vista.' Miss Bartlett ficou alarmada. Normalmente, numa pensão, as pessoas olhavam para elas durante um dia ou dois antes de falarem, e muitas vezes achavam que não o deveriam fazer até se terem ido embora."
E.M. Forster ("Room with a view")
A 'boa-educação', como se vê nesta peripécia do encontro de Lucy com a Itália, faz parte do sistema imunitário das nações. O viajante pode deixar o país com o sentimento de que perdeu algo de importante, por não abandonar, nem por um momento, o protocolo 'sanitário', mas então já será tarde.
Não foi o caso desta jovem inglesa que (era uma mudança de época nos costumes) cedeu, como o autor diz, ao encanto pernicioso de Itália e "começou a ser feliz". O que o romancista quer dizer com isso é que Miss Hobeycomb voluntariamente se esqueceu do que lhe tinham ensinado até ali, para se entregar, de alma e coração, à sugestão de uma cultura antiquíssima que parecia liberta miraculosamente da sua história, para responder à infinita expectativa de um coração jovem.
Claro que o resto da história, com o regresso a Inglaterra e o anunciado casamento fecha o parêntesis romanesco e a 'boa-educação' volta a impor-se.
O mito de Itália, como paraíso da arte e do saber-viver, foi a vacina de que Miss Honeycomb precisava para incarnar, a 'persona' que desde o início lhe estava destinada. A nostalgia dessa liberdade de prazeres e sentimento não é, afinal de contas, muito diferente de outras 'peles' que mudamos, a começar pela da juventude.
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