segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O NARCISO OCIDENTAL

Narcissus (Caravaggio)





“De todos os seus olhos a criatura
vê o Aberto. Somente os nossos olhos
estão como que revirados e postos em redor dela
como armadilhas para cercar a saída livre.
O que está fora não o conhecemos
a não ser pelos olhos do animal.
Porque desde a infância
nos voltam e constrangem a olhar o reverso,
as aparências, não o aberto, que na visão
do animal é tão profundo. Liberto da morte.
Nós que só a vemos a ela, enquanto que o animal
livre está sempre para além do seu fim;
ele vai na direcção de Deus: e quando caminha,
é na eternidade, como uma fonte corre(...)"


Rainer Maria Rilke (Excerto da 8ª Elegia de Duíno)



Depois duma interrupção de alguns anos, Rilke retoma, no castelo de Muzot (Suíça), as Elegias começadas em Duíno em 1912. Nascerão, assim, dum jacto, as Elegias nºs. 7, 8, 9 e 10.

O tema da oitava tinha que interessar Heidegger que lhe dedicou alguns comentários, considerando Rilke um poeta do desespero, face ao poeta dos poetas que seria Hölderlin.

Para o filósofo, o 'Aberto' de que fala Rilke não é o Ser, mas a animalidade, porque o homem encontra-se sempre no mundo e na linguagem.

O anti-humanismo de Heidegger parece-me, contudo difícil de sustentar sem ser como o resultado duma ascese e dum desocultamento da verdade.

Nesse sentido, o poeta é aquele que queima as etapas e cuja visão deu a volta ao tempo.

O verso que diz que o animal “está já para além do seu fim” parece sugerir-nos o regresso a uma sabedoria perdida no Ocidente, mas que está viva no hinduísmo, por exemplo.

Mas não sei se isso data esta poesia ou acusa o nosso narcisismo sem saída.

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