terça-feira, 30 de outubro de 2012

AS CEREJAS SÃO CEREJAS

melhorpapeldeparede.com





"Quando se começa com esta lógica em que os pensamentos decorrem muito naturalmente um do outro, não se pode nunca saber aonde se vai chegar."

"O Homem Sem Qualidades". (Robert Musil)


Mas de onde vem esse 'movimento contínuo' dos pensamentos?

Temos um ditado popular que associa as conversas às cerejas. outro diz que 'as palavras são como as cerejas: vão umas atrás das outras.' O 'jazz' é também um assunto de 'cerejas' e talvez não seja abusivo comparar a conversação sem objecto a uma espécie de música.

O orador mais experimentado recorre muitas vezes a essa 'música', levando o espírito dos auditores nessa revoada que distende e afrouxa as defesas do intelecto para voltar abruptamente ao seu tema. A 'divagação' pode revelar-se a causa indirecta duma mudança de opinião ou do próximo sucesso desta 'embaixada a Calígula' (porque todos somos intratáveis quanto ao núcleo das nossas certezas).

As 'palavras de circunstância', sobre o tempo, por exemplo, são como a tecla 'shift' (Barthes) que destapa o 'cesto das cerejas'. Se as suprimíssemos da conversação, num delírio de eficiência, talvez paralisássemos as comunicações.

A questão mantém-se de saber como é que um sistema tão autista e redundante como o das palavras pode ser mobilizado para justificar as nossas decisões no 'mundo real'.

Faz-me lembrar o documentário sobre Obama, que passou há dias na RTP2. O comentador diz que, a certa altura, a política passou para o 'mundo real' (a 'aposta' do presidente no assalto à casa-fortaleza  que não se tinha a certeza de abrigar Bin Laden).

Será que se pode sair de coisas como a política e a conversação como num 'raid' sobre a realidade?

0 comentários: