Delacroix |
"Jacob ficou só. Então um homem lutou com ele até ao raiar da aurora. Vendo que não o podia vencer, o homem tocou-lhe na articulação da coxa, e esta deslocou-se enquanto Jacob lutava com ele. O homem disse: Deixa-me ir, porque a aurora se levanta. E Jacob respondeu: Não te deixarei ir, enquanto não me abençoares. Perguntou-lhe, pois: 'Como te chamas?'. Ele respondeu: 'Jacob'. Então disse: 'Já não te chamarás Jacob e, sim, Israel: pois lutaste com Deus e os homens, e prevaleceste'. Tornou Jacob: 'Dize, rogo-te, como te chamas?'. Respondeu ele: 'Por que perguntas pelo meu nome?'. E ali o abençoou."
(Génesis 32:24:9)
Em duas versões ilustradas desta passagem, a balança pende para um lado ou para o outro. Em Doré, o Anjo aguenta firme o ímpeto de Jacob e quase consegue dobrá-lo. Já na pintura que se encontra em Saint-Sulpice, de Delacroix, é o Anjo que cede e apenas podemos adivinhar o desfecho da luta pelo toque da coxa que vai paralisar Jacob. Afinal de contas, segundo o relato bíblico, Jacob 'prevaleceu'. Porque Deus não estava na sua 'forma', e tinha-se, como o génio de Aladino, 'metido na garrafa'?
Um homem 'então' lutou com ele, sem qualquer transição, depois de se dizer que o patriarca tinha ficado só, e sem motivo aparente para lutarem, como se, realmente o estado de solidão não fosse interrompido. Isto é onírico do princípio ao fim. E eis o que dá autenticidade ao texto. Deus não podia lutar com Jacob, nem sequer por interposição do Anjo. Mas o sonho não tem de obedecer à lógica, nem às leis do espaço e do tempo. E o que é mais, ninguém pode provar que a inspiração desse sonho não tenha provindo de Deus. As consequências históricas, em ambos os casos, podem ser as mesmas.
Em 312 da nossa era, na batalha da Ponte Mílvia, Constantino 'recebia' outro sonho que mudou a face do mundo. De que outra maneira poderia o sentido que damos às coisas 'prevalecer' sobre a realidade?
0 comentários:
Enviar um comentário