domingo, 9 de novembro de 2014

PENSAR COM A MARMITA NO CHÃO

René Descartes (1596/1650)

Descartes, quando voltou a França, depois de deixar a Holanda, descreveu assim a situação provocada pela Fronda:

"Encontrei a cozinha em desordem e a marmita de pernas para o ar."

Embora já tivesse feito cinquenta nos, nunca passou pela cabeça deste aristocrata do espírito empenhar-se por uma solução política, tomar partido por uma das facções, de molde a contribuir para uma nova ordem, qualquer que ela fosse.

Não, os termos em que se refere à política parecem ajustar-se perfeitamente à tradição dos filósofos da Antiga Grécia que, como observou Hannah Arendt, remetia a política para o espaço de não-liberdade, da economia doméstica.

O caos no departamento alimentar não era propício à acção de um homem livre.

No entanto, Descartes era um espírito extremamente decidido, quase militar, rápido a desembainhar a espada, como se vê no seu estilo. Por exemplo, neste trecho das "Paixões da Alma":

"(...) todavia o que os Antigos ensinaram sobre isso (as paixões) é tão pouca coisa, e na maior parte tão pouco crível, que só posso ter alguma esperança de me aproximar da verdade se me afastar do caminho que eles seguiram. É por isso que sou obrigado a escrever aqui como se se tratasse duma matéria que pessoa alguma tivesse abordado antes de mim."

É a celebrada tábua rasa cartesiana.

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