segunda-feira, 17 de novembro de 2014

AS BOAS MANEIRAS

 

"Ela recebeu muito mal a noiva do irmão e gostava de a humilhar pondo-lhe ao lado, na mesa, talheres para uso desconhecido e pequenas facas de manteiga. Havia garfos de marfim para picles e colheres para compota com uma calha donde escorria a calda. Era preciso estar muito bem informado para saber usar aquilo tudo."

"Ordens Menores" (Agustina Bessa-Luís)



Mesmo se as maneiras à mesa do 'Rei Sol', no seu palácio de Versalhes, fossem hoje consideradas inaconselháveis em termos de higiene, podemos estar certos de que ele era o rei da etiqueta e não tinha a nada a aprender com as maneiras dos outros, uma vez que era ele que as ditava.

Não houve talvez, no mundo ocidental, desde Petrónio, um árbitro da elegâncias assim. Mas qualquer um dos seus súbditos podia rir-se à sua custa, como fez a cegonha da raposa na fábula de La Fontaine, se pudesse submeter a majestade a um protocolo desconhecido, ou pouco praticado, se o rei se deixasse cair nesse estratagema. Só uma criança o poderia fazer impunemente, como acontece na história do 'rei vai nu'. Mas em princípio, as crianças não são anfitriões de ninguém.

Diz-se que a verdadeira educação não consiste propriamente num saber, mas antes numa segunda natureza. Faz-se mesmo sem pensar, porque a consciência do que se faz neste domínio é sempre desgraciosa. Ora um monarca que quer impor novos hábitos na sua corte não os recebeu 'com o leite materno' e estará sujeito a hesitações e a faltas de memória. Daí que, para não perder a face, prefira passar por caprichoso a ser o primeiro a desvituar o protocolo.

Mas o objectivo de Luís XIV era pôr o rebanho da sua côrte ocupado em seguir a moda que ele ditava, em vez de fazer política 'frondeuse'. Criou assim um mundo teatral que corria o risco de se tornar ridículo aos olhos dos próprios títeres. O grande Luís foi o predecessor de Gorbatchov no século XVIII. Fez uma montra cristalina da classe ociosa.

As 'boas maneiras' (onde se incluem os novos hábitos da corte) quase sempre apressam a guilhotina...

 

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