sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A TEIMOSIA


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"(...) preciso de uma 'obstinação dúctil'."
(André Gide) 

Para escrever? Ou simplesmente para se manter 'igual a si próprio'?

Há uma espécie de teimosia no querer continuar. Porque não é a razão que nos pode convencer. Ela que é perita em atar e desatar os laços da lógica (a necessidade que veio do espaço, como alguns heróis das sagas).

Nem a inteligência, que mais depressa se deixaria convencer por todo o plano inclinado que se estende aos nossos pés. Julieta dos espíritos escorrega para a piscina azul da sua fantasia. E, antes dela, conhecemos todos o alçapão em cai Alice no seu sonho.

Embora pareça longe de favorecer estas quedas e escorregadelas, a verdade é que a inteligência nos seduz a metermo-nos por estranhos caminhos, alguns dos quais terminam no pesadelo. E se estamos a sonhar, por que não poderia ser assim?

Daí a obstinação, também chamada de persistência pelos 'bons olhos' e de estupidez, ou de uma certa limitação do juízo, pelos 'maus'. Mas talvez se encontre aqui um nó dos muitos em que se deixa prender o 'livre pensamento'. Não é verdade que Cristo chamou a si as criancinhas e os 'pobres de espírito'? E embora alguns fariseus de sempre queiram reservar a expressão para aqueles que, sendo ricos pelos critérios normais, se comportam como pobres (mas para isso há um nome mais acertado que é o de avareza), os 'pobres de espírito' são legião e a presa favorita dos predadores deste mundo, os espertos. É o 'mexilhão' do adágio popular 'quando o mar bate na rocha...'

Seja como for, um certo grau de teimosia, em que a 'estupidez' aparece mais como uma técnica de sobrevivência e um método natural para lidar com a complexidade artificial e as distorções do poder, do que com um 'defeito'. A literatura dá-nos um exemplo desse tipo de homem quando se refere à 'manha' do camponês (como a do pai Sorel, na obra-prima de Stendhal).

Gide quer que ela seja 'dúctil', talvez porque não confie nos seus instintos.


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