sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A SERPENTE

A "Orelha de Dionísio"

"(...) quando a serpente da frase administrativa tivesse sido engolida até à cauda pela sua orelha."

"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)

São alguma espécie de pensamento essas frases da língua administrativa? Musil diz que são de natureza reptiliana e que a sua função é deixar o ovo da serpente no fundo do ouvido.

O ouvido é o sentido nocturno com acesso à parte mais primitiva do nosso cérebro, também chamada de reptiliana. Era o alvo do histerismo discursivo do líder nazi. E há uma história relacionada com a célebre Orelha de Dionísio, em Siracusa, que nos mostra o tirano no acto de 'emprenhar pelos ouvidos' com os segredos políticos dos prisioneiros.

O ouvido 'nidificado' pelo mal (é esse o simbolismo da serpente na nossa cultura) passa a filtrar todo o discurso pela membrana administrativa (em que os homens são considerados como coisas).

Em tempo de guerra, é essa ausência de pensamento que leva a máquina militar aos extremos do não-humano.

Mas em tempo de paz, o discurso administrativo continua a ser o ventríloquo da serpente.


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