segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A PESTE


Vladimir Nabokov

"Tenho feito uma devassa aos meus velhos sonhos, no encalço de chaves e directrizes e desde já se diga que rejeito por completo esse banal, mesquinho e sobretudo medievo universo de Freud, com o tortuoso inquérito que faz aos símbolos sexuais (um tanto como procurar acrósticos de Bacon nas obras de Shakespeare) e a espreitadelazinha, com o seu quê de amargo e embrionário, que dá à vida amorosa dos pais para a despojar, depois, de toda a naturalidade."
"Fala, Memória" (Vladimir Nabokov)

O universo de Freud, pelo menos, estimulou essa 'devassa dos velhos sonhos', a que, realmente, não podemos resistir.

A partir de uma certa complexidade, a 'naturalidade' deixou de satisfazer-nos. Assistimos, então, como que ao nascimento de um mito moderno. Para fazer acreditar o seu mito, Freud só tinha que se 'apropriar' da Antiguidade clássica. E, a verdade é que pelo método da análise linguística e literária conferiu às suas teorias um grande poder de explicação. Isto é, criou o contexto simbólico que tornou necessária uma explicação sob a forma de um mito moderno.

O êxito da psicanálise nos E.U.A. revela o trabalho civilizador do mito freudiano. Embora, seja conhecida a comparação da psicanálise com a peste feita pelo próprio Freud antes de desembarcar naquele grande país, não é razoável pensar que esse comentário tivesse sido feito em detrimento da sua própria 'ciência'. Os americanos é que se encontravam num estado de virgindade tal (como os nativos à chegada dos primeiros europeus), facto que iria potenciar a energia refundadora do novo mito.

Talvez a resistência do escritor russo seja um saudável movimento de defesa perante a ameaça para a literatura que a psicanálise representava. No cinema, por exemplo, só conheço Hitchcock que tenha escapado ao perigo, transformando a ideia da psicanálise em força dramática.

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