"Não podemos considerar uma curiosidade histórica o facto trágico e fatal de que, nas datas em que se anuncia a morte de Deus, o mundo objectivo baixa as defesas, retira os seus obstáculos, alivia a cruel e velha Necessidade, começa a perder as suas batalhas perante as nossas técnicas agressivas e triunfantes, retira-se, humilhado, para trás das nossas representações, em resumo, entra em agonia. A bomba troveja a morte do mundo, apenas meio século depois da morte de Deus. As duas transcendências abandonam o mesmo lugar mais ou menos ao mesmo tempo. Eis-nos obrigados a escrever uma filosofia da agonia da objectividade transcental e do seu renascimento, hoje em dia."
(Michel Serres)
A ideia de um mundo objectivo 'à defesa', guardado pelo dragão da Necessidade, correlato do demiurgo supremo, insondável e imprevisível nos seus desígnios, dispensador do sentido da vida, parece, afinal, bastante lógica.
Por isso se dá um volte-face panteísta, quando Deus sai de cena. Ainda o filósofo: "O objecto natural toma o lugar de Deus; pode mesmo coexistir com ele no mesmo lugar, sendo apenas essencial que compreenda bem esse lugar, uma das metamorfoses do qual será essa caixa branca, fonte de um discurso interminável e, portanto, de um longo tempo da história, o espaço puro da geometria."
A 'caixa branca' não contém a memória do acontecimento, como a 'caixa negra' dos aviões. No fundo, dir-se-ia antes o invólucro do mundo platónico das ideias, onde elas não chegariam a ter uma actualidade ideal, mas 'decorreriam' directamente do 'lugar de Deus'.
Por outras palavras, tivemos de passar por Deus para sermos geómatras.
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