"Desrealidade. Sentimento de ausência, diminuição de realidade experimentada pelo sujeito amoroso frente ao mundo.
(...) Estou sozinho num café. É domingo à hora do pequeno-almoço. Do outro lado do espelho, num cartaz mural, Coluche gesticula e faz de idiota. Tenho frio."
Roland Barthes ("Fragmentos dum discurso amoroso")
Para os 'desafectos', a política desliza sem sobressaltos. Tudo é conforme o esperado. A menos que comecem todos a gritar. De espaço da palavra, a política tornar-se-ia gutural.
Mas o 'sujeito amoroso' (uma espécie de Frankenstein do estruturalismo), segundo Barthes, tem todas as energias mobilizadas pelo objecto do seu amor. A triste figura dum candidato à presidência (não resultou a sua tentativa de 'desmascarar' a política-espectáculo; 'the show must go on.') não pode ser encaixada no seu mundo transtornado. Afinal a 'indiferença' consome alguma energia, e ele tem tudo investido na outra 'realidade'. Coluche faz-lhe frio.
Há uma expressão que traduz essa incapacidade para lidar com um simples acréscimo de realidade, um pouco mais de complexidade. É o "não tenho paciência."
Não é a obsessão pelo 'objecto amoroso' que desvia o caudal da energia. É o mundo que não se submete ao 'domínio privado' do bom-senso e da razão. Para nos mantermos activos e interessados precisamos de cada vez mais voltagem.
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