"Estou-me a habituar à ideia de ver cada acto sexual como um processo em que quatro pessoas estão envolvidas. Teremos muito que discutir sobre isso."
Segismund Freud ("Letters")
Lawrence Durrell colocou à entrada do seu mais famoso romance esta citação 'psicanalítica'.
Não é, pois, por acaso que a obra se chama "O Quarteto de Alexandria". Também aqui estão envolvidas quatro personagens que dão o nome a cada uma das suas quatro partes: 'Justine', 'Balthazar', 'Mountolive' e 'Cléa'. Sendo a própria cidade descrita como uma criatura de sexo indefinido, incestuosa, hermafrodita, o quarteto freudiano torna-se irreconhecível.
Mas o importante é essa actualização do mito clássico operada pela 'análise' do celebérrimo neurologista de Viena que assim povoou a relação física de duas pessoas, em risco de se tornar num desértico jogo de espelhos, num acto que envolve deuses e homens, ausência e presença, passado e presente, numa constelação mais complexa do que a das estrelas, tal como as observamos no telescópio. É por isso que a astronomia é a primeira das ciências e a psicanálise é, felizmente, literatura.
No romance de Durrell, Alexandria é muito mais do que um contexto 'histórico-geográfico', muito mais do que uma cidade, por mais fascinante que seja. Se utilizarmos uma metáfora musical, podíamos dizer que o 'quarteto' não se limita a viver dentro dos limites nostálgicos do autor. Ele é, até certo ponto, o executante da partitura misteriosa que Durrell tenta decifrar na sua ilha, depois de se arrancar ao sortilégio.
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