O narrador, há muitos anos, quando o 'Quartier latin' oferecia ainda perspectivas a quem passava sobre o interior das casas, deteve-se diante do espectáculo de um homem concentrado no estudo. Pareceu-lhe esse isolamento tão interessante que ficou por ali muito tempo. Mas de repente deu-se conta que uma pequena multidão se lhe tinha juntado, curiosa, talvez, por aquele 'espectáculo' motivar a atenção de alguém. Foi quando o estudioso reparou na massa do seu público e, tendo ficado muito perturbado, para se dotar de uma atitude (o autor diz: 'pour se donner une contenance') enforcou-se ali mesmo, diante de todos.
O autor, Alphonse Allais ("À la une") não acrescenta mais. Mas dá que pensar essa de se 'donner une contenance' a tão elevado preço. Podemos interpretar assim a anedota: o homem agarrado aos livros provoca uma espécie de escândalo junto dos bons e despreocupados parisienses que passam e, subitamente acometido da consciência de estar em grave infracção (pelo menos em relação à feliz ociosidade), sente-se compelido a executar sobre si próprio uma sentença que não deixa lugar a qualquer dúvida quanto ao facto de ele se sentir culpado (por muito estranho que isso pareça), o que o leva a abortar à nascença qualquer eventual discussão sobre um hipotético direito de se encontrar a estudar à janela do seu quarto.
A brincar, Allais diz uma coisa muito séria que é a de nenhum de nós aguentar uma acusação silenciosa. A culpa está na origem de uma das fontes da nossa consciência religiosa, como o atesta o 'Livro Sagrado'...
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