segunda-feira, 3 de março de 2014

CAÇA AOS GAMBOZINOS

"Nebraska" (Alexander Payne)

 

Bruce Dern (actor num dos últimos filmes de Hitchcock, 'Family Plot'), quase a chegar aos 80, fez o papel da sua vida em 'Nebraska'. Não teve de se caracterizar pois está feito num 'caco' como a sua personagem.

Woody Grant, um velho trôpego e alcoólico que se esquece de tudo (os mais novos falam, maldosamente, em Alzheimer), recebe um papel pelo correio e 'decide' tresler uma dessas 'proclamações' que também abundam na Internet que fazem de qualquer um milionário só por ter o 'privilégio' de se habilitar a um sorteio.

Woody agarra-se ao panfleto que o declara milionário para forjar um projecto de vida. Tem de ir a Lincoln, no Nebraska, que fica a mais de 1000 kms de Billings, Montana, para receber o 'prémio'.

Como dirá David, o filho (Will Forte) que resolve acompanhá-lo nessa 'caça aos gambozinos', para estar algum tempo com ele e lhe tirar a ideia da cabeça: o velho acredita no que as pessoas lhe dizem. Se está escrito que é milionário tem todas as razões para acreditar nisso.

A viagem leva-o de regresso aos lugares da infância, reconhece os sobreviventes do seu grupo de amigos, todos entusiasmados com a perspectiva de partilhar do milhão de dólares, nem que para isso tenham de inventar dívidas passadas que Woody não está em condições de refutar.

Logo que enfrenta a verdade no escritório da empresa de vão de escada que organizou a lotaria, o 'desiludido' conforma-se com uma total passividade. Como consolação recebe um boné da empregada.

Mas afinal para que é que ele queria o milhão? Confessa a David que pretendia comprar uma carrinha nova e um compressor de ar para pintura. O resto era para os filhos.

Num rasgo de inteligência afectiva, David troca o seu carro por uma carrinha quase nova e compra o aparelho. Ao passar por Hawthorne ao volante, Woody Grant despede-se dos velhos conhecidos em beleza. Quanto ao resto, os filhos não precisam de prémio nenhum.

Estivesse ou não o seu juízo perturbado, Woody, com a ajuda de quem mais lhe queria, levou a sua por diante. Comprou (estava pelo menos no seu nome) uma carrinha nova que já não vai poder conduzir e o compressor que não lhe vai servir de nada.

Aos filhos, em vez do prémio da lotaria, deixou-lhes aquela lição de dignidade que é fazer alguma coisa da muita ou pouca vida que temos.

Afinal, todos os nossos projectos, à distância, não valem mais do que uma 'caça aos gambozinos'.

 

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