"Transe" (2006-Teresa Villaverde)
"Transe", de Teresa Villaverde, não é um filme simples. Tem vários ritmos, enigmas e coisas que ficam por explicar, mas que não são essenciais. No fim, arrisca-se mesmo ao ridículo, quando depois do tempo todo se falar em russo ou italiano ouvimos a nossa língua.
Podia-se dizer que "Transe" é um filme sobre a pureza. A neve é recorrente, a infância, a língua materna. Por aqui passa a memória de Tolstoi ( e o príncipe André, a mais nobre e orgulhosa das suas criaturas) e o telurismo de Tarkowsky.
A parte narrativa do filme, sobre o tráfico de mulheres pelas mafias do Leste, seria suficiente para fazer dele um dos mais pungentes testemunhos da "má sorte": "Estar no local errado, na hora errada".
Nunca a exploração sexual das mulheres nos mostrou tão cruamente, com a ferocidade dum Céline, o desencontro fatal da vítima, reduzida à imagem do desejo e do cliente, patético, no seu logro e na sua voluntária cegueira.
Este salão italiano das prostitutas é o mais anti-sentimental e anti-felliniano ("Roma") que imaginar se possa.
Mas voltando à pureza. É esse desejo, mais forte do que o medo e mais forte do que a morte, que lhe permite resistir à degradação interior e sobreviver às terríveis provas. Que lhe dá o poder de "faire la gueule", com o que não se ganha a vida nessa profissão, conforme diz a canção da Piaf.
Terá sido essa a marca que procurou, no princípio do filme, junto do filho adormecido?
Sónia não era russa, mas é tudo o que sabemos.
O português parece, assim, um regresso definitivo à pátria secreta.
Belo.
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