Leão Tolstoi (1844/1930)
Leão não resistia à tentação de deitar Sofia no sofá. Ele, para quem o comércio entre homem e mulher é clandestino aos olhos de Deus. Ao ponto do desejo de descendência ser uma falsa razão, como se lê na “Sonata a Kreutzer”.
Mas depois da queda, o grande homem devia apontar, com o rigor dum contabilista, as vezes. Isso devia permitir-lhe não ter a desculpa do esquecimento e submeter a imaginação a um rol sem contemplações. E, pensando bem, isso prova que o escritor era sincero no seu arrependimento, e que quando jurava não tinha em mente nenhuma escapatória.
Todo o homem cai, e não é o cair que é “grave”, mas o corpo e a alma que se convence de que existe uma necessidade. Assim, libertar-se desse enredo é ir além da aparência e negar a prova. Para o que é preciso alguma fé em si mesmo. Porém, aquele que promete, sabendo que não vai cumprir, condena-se à partida, e a relação com a verdade moral corrompe-se. Tornamo-nos aquilo que somos para os outros: homens sem palavra.
Um erro inaugural compromete todo o raciocínio. No frontão do templo da sabedoria o “conhece-te a ti mesmo” é perdão e não juízo condenatório. É preciso saber encontrar a coragem e um espírito novo, depois de cada malogro. Por isso, ao reduzir a paixão a número, Tolstoi se desembaraçava do libelo contra o espírito e da indulgência descritiva que é uma introdução ao próprio mal.
Diz-se que Deus vê tudo, e pode-se entender isso assim: no nosso espírito, a unidade da consciência é lei; a forma mais segura de não incorrer na falta é não dar azo a qualquer automatismo da associação mental. Tudo se converte em pensamento, e esse é precisamente o pecado contra o espírito. Não se pode deixar de pensar naquilo a que um interesse vital deu um nome. As palavras armam-nos ciladas e o ideal é envolver a queda inevitável do silêncio sem legendas.
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