segunda-feira, 2 de julho de 2012

OS QUATRO ALVOS

Cristina Campo (1923/1977)

"A paisagem, a linguagem, o mito e o rito, que são os quatro elementos da felicidade, tornaram-se hoje o alvo do ódio concentrado do ocidente."

(Cristina Campo)



Os dois primeiros alvos parecem-me óbvios. A paisagem, porque nos tornamos cada vez mais artificiais e só sabemos relacionar-nos com a natureza, no melhor, como meio ambiente, ao mesmo tempo que a agredimos de modo compulsivo. A linguagem sofre hoje uma das suas maiores mutações em consequência da tecnologia das comunicações. É provável que alguns contemporâneos de Gutenberg vissem por detrás da sua invenção e dos efeitos desta um ódio ao passado. Mas sabemos que não foi isso o que aconteceu.

Já quanto aos mitos em que acteditávamos,  o que houve foi uma substituição por novos mitos em que "fazemos de conta" que acreditamos. O melhor exemplo é o da publicidade. Não engana ninguém, mas a tentativa lisonjeia-nos, de alguma maneira, por causa do interesse demonstrado (pelo nosso poder de compra).

Trata-se, contudo, duma "ironia" diferente daquela com que já o Grego mais "blasé" encarava a mitologia. Não seremos ingénuos ao ponto de pensar que Platão acreditava nos Olímpicos como uma boa alma. Ele que falava em mentiras úteis para lidar com o "Grande Animal" (só esta metáfora  sobre o povo constitui o maior "impensado" da democracia, o  qual transitou sem problemas até ao século XX e a Karl Popper).

Mas, finalmente, serão os ritos "perseguidos" na nossa sociedade? O que quer dizer um ódio ao rito?

Sabemos que o ritual é a falsa superfície da religião. Que a entrega ao espírito da coisa é já metamorfose. O fora, como dizia Comte, é que molda o dentro.

Estaremos também mais "distantes" na observação dos rituais, sejam eles familiares, profissionais, políticos ou religiosos? Ou são as nossas práticas quotidianas, o nosso modo de vida, que neutralizam o ritual, tornando-o uma simples ocupação do tempo?

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