sexta-feira, 20 de julho de 2012

O PRIMO DO FILÓSOFO

Thomas Bernhard


"De todos os praticantes de medicina, os psiquiatras são os mais incompetentes, tendo uma afinidade mais próxima do assassino sexual do que da sua ciência."

"Wittengstein's nephew" (Thomas Bernhard)


É uma 'boutade' dum autor irascível, entre cujos ódios de estimação se encontra o do seu próprio país?

Entre nós, seria preciso recuar a Agostinho de Macedo  ou pensar na pluma pessimista e maledicente de alguns cronistas  para encontrar tanta virulência. Mas não se pode negar que Bernhard se pode reclamar duma experiência pessoal, e o livro trata, alias, duma amizade com uma das vítimas dessa impunidade psiquiátrica.

O exemplo do sobrinho (na verdade filho de um primo) do filósofo, atingido por crises recorrentes de loucura que Bernhard conheceu como companheiro de internamento no Wilhelminenberg, em Viena, quando ele próprio ali se encontrava com uma doença pulmonar, é apenas um caso que a literatura tornou famoso.

A loucura deste homem não tinha um nome (sinal de que não se sabia o que era). Nem por isso deixou de receber sucessivas variantes no melhor latim molieresco.

"(...) como todos os médicos, tornaram a vida fácil para si próprios - e no final criminosamente fácil - dando continuamente nomes incorrectos às doenças. (...) O Latim foi transformado num muro impenetrável entre eles e as suas vítimas."

É claro que este tratamento do que, no fundo não se conhece, vive do empirismo e da absoluta dependência dos doentes. A forma como a sociedade lida com a questão da "loucura" é representativa duma incompetência encoberta pelo prestígio e pelo reforço do poder médico e esse talvez seja um dos preços a pagar pela supremacia da razão "normal".

A comparação que Bernhard estabelece entre a psiquiatria e o crime sexual justificar-se-á, talvez, pelo conceito de posse. Na verdade, é possível ver no acto sexual a "ingestão" do outro ( o que a linguagem corrente tornou uma banalidade ao referir-se ao verbo "comer"). Mas não se trata apenas do "físico". Ingere-se o ser do outro. A sua vontade, a sua independência, etc. Ora esse poder (porque é disso que se trata), levado pelo crime a um extremo, apresenta algumas semelhanças com a "tomada de posse" do psiquiatra sobre o doente...

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