"Não vou aborrecer os meus leitores com um relato da
nossa entrevista, uma vez que se compunha dos voos de louca fantasia de Madame
d'Urfé e de mentiras da minha parte, que nem sequer tinham o mérito da
probabilidade. Escravo da minha vida de feliz libertinagem, aproveitei-me da
sua loucura; ela teria encontrado outra pessoa para a enganar, se eu não o
tivesse feito, porque era realmente ela
que se enganava a si própria."
"Memórias de Casanova, Livro 5"
O nosso Giaccomo convence Madame d'Urfé, imensamente
rica, que a altura é favorável para regenerar a velha carcaça, graças à força
genesíaca do próprio e a certas artes ocultas, embora deva morrer do parto (mas com
a migração do seu espírito para o novo ser). Madame d'Urfé só perde a fé em
Casanova, quando, apesar de tudo, não consegue engravidar. Giaccomo tem de
fugir para Londres.
Casanova procura justificar-se nas memórias. Levou a vida
que quis levar e passou-a a escrito, por lhe parecer extraordinária, mas, sem
dúvida, sobretudo, para, de algum modo a "reviver", quando lhe
faltaram os meios de a continuar na prática. Imaginamos, facilmente, as
delícias que essa tarefa para a posteridade trouxe ao velho bibliotecário do
Conde de Waldstein.
A escrita permitir-lhe-á, segundo o testemunho do
Príncipe de Ligne, transformar a sua vida em "filosofia". Com efeito,
as suas últimas palavras teriam sido: "vivi como um filósofo e morro como
um cristão".
O método dessa conversão retrospectiva é o que está
exemplificado na passagem citada. Madame d'Urfé só pedia para ser enganada. O
Libertino, ao mesmo tempo que se serve da bolsa da sua
discípula em magia, não faz outra coisa do que a ajudar a viver a vida que ela escolheu.
A filosofia de Casanova, cavaleiro de Seingalt, não
é intelectual, nem nada complicada. É uma arte de viver e, mais tarde, de produzir escrita. O prazer que nos dá a leitura das "Memórias" não nos
permite a injustiça de as considerar como as aventuras dum escroque.
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