"Eminentíssimo Senhor
A Chronica d'El-Rei Dom Sancho o II a quem os Authores antigos chamam o Capelo, pelos vestidos honestos, de que sempre uzou, mais de feição de Religioso, que de Rei, não tem cousa que se oponha aos dogmas da nossa Santa Fé, ou bons costumes. Este Rei não teve exercicio de reinar todo o tempo de sua vida, porque pelos seus erros foi posto por Regedor no Reino seu irmão o Infante D. Affonso Conde de Bolonha, e errou o dito Rei D. Sancho se cuidou que havia de reger sempre: «Errat, si quis existimat tutum diu esse Regem». Diz Seneca «In sui Proverbiis in fine positis lit. E.» Mas se lhe tiraram o Reino, ou a regencia delle pelos seus erros, e culpas, não lhe podiam tirar o Reinar em o Ceo, morrendo (como dizem morreo) com sinaes de bom Christão, e Catholico Rei, e cheio de virtudes. Pelo que merece a licença que pede o Chronista para se imprimir. V. Eminencia fará o que for servido.
Santo Antonio dos Capuchos de Lisboa Occidental 21 de Março de 1726.
Fr. Vicente das Chagas."
As licenças do Santo Ofício mais as do Ordinário (seis "peritos", pelo menos se pronunciam) e ainda a do Paço ( a cargo do Conde da Ericeira) ilustram bem como é estreita a via de qualquer pensamento por pouco inovador que seja. Mas este Portugal do feudalismo ainda sob a suprema autoridade papal, não tinha os meios para se perpetuar no imobilismo, como o mandarinato do Império do Meio.
A censura e a tortura a que recorreu a Inquisição parecem-nos hoje (e abstendo-nos de moralizar), tecnicamente, grandes falhanços do poder teocrático.
O parecer de Fr. Vicente das Chagas sobre um rei que não se submeteu àquele poder, o que é levado à conta dos erros do monarca (acrescentando-lhe ainda o frade o defeito da presunção, por julgar, talvez, que assim servia o seu povo) é bem representativo do que sempre esteve em causa, até à excomunhão (1234) e posterior deposição (1248).
Da Crónica de Rui Pina, será valorizado tudo o que justifica o cognome de Sancho II, "O Pio", como o hábito de usar capelo num período da sua vida ou a sua morte em Toledo logo no começo do exílio. Como boa mãe, a Igreja sabe perdoar os "erros" e acolher o penitente no Reino dos Céus.
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